Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Trump, enfim, em zona de conforto

Depois de brigar com aliados, Putin é um colo amigo

O presidente dos EUA, Donald Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump - Carlo Allegri - 27.jul.2016/Reuters

Por fim, Donald Trump chega nesta segunda-feira (16) a um encontro em que se sentirá confortável. Será com o presidente russo, Vladimir Putin, ao qual já deu inúmeras mostras de admiração (e, no íntimo, de agradecimento pelas intervenções russas a seu favor durante a campanha eleitoral de 2016. Digo no íntimo porque, publicamente, não pode admitir que elas existiram).

Depois de Trump esculhambar seus parceiros da Otan e até a governante de turno do Reino Unido, país com o qual os EUA têm desde sempre “relações especiais”, é difícil desmentir a sabedoria convencional segundo a qual ele gosta mais de ditadores do que de líderes de países democráticos.

Preferência que Thomas Carothers, do Centro Carnegie Europa, atribui a uma “notável mescla de profundas inseguranças e natural arrogância”.

Acrescenta que a melhor maneira de olhar para a abordagem de Trump na relação com outros países é entender que “Trump acredita que só há dois tipos de Estados, os Estados Unidos e todo o resto”.

Por esse caminho, dá para entender melhor por que o americano briga com seus aliados e porque tende a se sentir confortável com Putin: a Rússia de hoje é só uma “potência regional”, como a definiu Barack Obama. Logo, nem ameaça a América de Trump nem se aproveita dela —o contrário do que Trump acha que os parceiros da Otan fazem.

A China, sim, é uma ameaça global à liderança americana. Logo, faz sentido atacá-la, como está ocorrendo.

Com Putin, ao contrário, é fácil acomodar divergências pontuais. Síria, por exemplo: incomoda Trump a presença dominante dos russos? Para nada. Quer é tirar de lá os soldados americanos, no pressuposto de que se trata de um problema do “resto do mundo”.

Não dá para erguer torres Trump nas ruínas de Aleppo, ao contrário do que ele insinuou na Coreia do Norte, em um vídeo em que fantasiava com o aproveitamento turístico do país, se se normalizasse.

Essa é a outra faceta do “trumpismo”, além do desprezo a “todo o resto”: uma mentalidade em que negociar com quem quer que seja significa tirar vantagem em tudo.

É por essa mentalidade que se pode entender sua crítica à negociação de Theresa May com a Europa para definir o formato do “brexit”: “Eu disse a Theresa May como fazê-lo, mas ela não me ouviu”.

O homem que se gaba de ser o mais hábil negociador do mundo não pode aceitar que alguém não siga seu modelo de negociação (privada) em uma questão de Estado.

Passemos agora para direitos humanos. Como Trump reclamaria de Putin se não reclamou de Kim Jong-un? Afinal, Trump foi recebido em Londres com uma enorme faixa em que era definido como “pesadelo para os direitos humanos”.

Não tocar nesses temas espinhosos permitirá que Trump saia do encontro dizendo que foi “tremendous” (em sua limitação vocabular, usou o termo quatro vezes em dois minutos após se reunir com o secretário-geral da Otan).

O que Trump diz importa pouco pois sua administração é a primeira em décadas em que “a estratégia americana não é moldada por uma visão discernível da ordem mundial” (aspas de Steven Kent Metz, do Instituto de Estudos Estratégicos do Colégio de Guerra do Exército americano).

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