Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Otavio Frias Filho

A Folha é o verdadeiro centrão

O jornal e sua incrível capacidade de aglutinar os contrários

A Folha é o verdadeiro centrão, no bom sentido, da vida brasileira. É a conclusão que me vem ao ler a repercussão da morte de Otavio Frias Filho e ao ver ao menos uma das fotos, meio desfocada, em que ele aparece entre os presentes à comemoração dos 90 anos do jornal (página A5 da edição impressa; apareceu também na edição online da véspera, até mais ampla, mas não a encontrei nesta quarta-feira).

Um detalhe da foto me pareceu particularmente eloquente para mostrar a capacidade da Folha dos Frias (pai, filhos, filha) de aglutinar adversários, às vezes ásperos adversários: aparecem Fernando Collor de Mello, o presidente afastado em 1992, e, logo atrás, Aloizio Mercadante, que foi um dos articuladores das denúncias que afinal levaram ao impeachment.

 

É bom lembrar que a Folha foi o único veículo da chamada grande imprensa que criticou Collor com a dureza característica do verbete “jornalismo crítico” determinado pelo Projeto Editorial. E, na época da foto (2011), já criticava o governo de Dilma Rousseff, do qual Mercadante fez parte.

Impressiona também que se manifestaram sobre a morte de Otavio todos os presidentes da República do período democrático (Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer), menos Dilma Rousseff (José Sarney não aparece na edição impressa mas compareceu no online).

Na verdade, não deveria me surpreender. A coleção de “newsmakers” (políticos, empresários, acadêmicos, artistas, sindicalistas) que passou pela sala de almoço no nono andar desta Folha ou pelo que chamamos “sala de pedra", a de visitas, é imensa e de um ecumenismo impecável.

Se me surpreendo agora é porque o embate político ganhou contornos de ira absurdos. Faz-se política hoje com o fígado, como se só existissem inimigos a abater, não adversários com os quais negociar —o que é, ou deveria ser, a essência da atividade política.

A tolerância com todos os atores políticos demonstrada nesses anos de gestão da família Frias faria da sala de almoço da Folha o cenário ideal para um diálogo que tentasse desarmar os espíritos e, por extensão, pensar os problemas do país de uma maneira que não seja o pobre entrechoque entre lulismo e antilulismo como diz o editorial desta quarta-feira (22), o primeiro do pós-Otavio.

Afinal, até Lula, que teve com Otavio um entrevero desagradável em almoço na Folha durante a campanha de 2002, diz agora que o jornal é “uma referência na vida social e política do país".

Confesso que até deixaria por momentos de lado o meu profundo ceticismo a respeito do Brasil para cobrir essa utópica mesa de diálogo. Pena que o país ficou politicamente tão feio e tão amargo que nem a Folha e sua capacidade de acolher os contrários conseguiria promovê-la.

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