Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Governo Trump

América Primeiro, dane-se o mundo

Trump adota táticas de terra arrasada

Nada contra o mantra “América Primeiro” adotado desde a campanha eleitoral por Donald Trump. É óbvio que o dever de todo governante é pôr os interesses de seu país em primeiro lugar.

O problema com Trump é que ele pratica o que Edward Luce, colunista do Financial Times, chama de “táticas de terra arrasada”.

Comecemos pela imposição de tarifas punitivas a produtos chineses. Já seria questionável se fosse apenas para tentar chegar ao que Trump considera comércio justo com a China, que hoje tem superávit nas trocas com os EUA.

Torna-se no entanto indecente quando o presidente americano comemora publicamente a terra arrasada em que a China estaria se transformando.

O presidente americano Donald Trump no jardim da Casa Branca, em Washington
O presidente americano Donald Trump no jardim da Casa Branca, em Washington - Ting Shen - 17.ago.2018/Xinhua

Na quinta-feira (16), na Casa Branca, Trump estimulou seu assessor para assuntos econômicos, Larry Kudlow, a festejar os problemas que a China estaria enfrentando.

Disse Kudlow: “Vendas no varejo, investimento em negócios, estão entrando em colapso na China. A produção industrial tem caído e agora está estacionando em nível baixo. As pessoas estão vendendo a moeda; pode haver alguma manipulação, mas acho que o principal é que investidores estão saindo da China porque não gostam da economia, e estão vindo para os EUA porque gostam da economia”. Resumiu o assessor, sob aplausos de Trump: “Neste momento, a economia deles parece terrível”.

Exagero? Talvez, mas, em artigo para The New York Times, Ruchir Sharma (Morgan Stanley), analista geralmente sensato, escreve que “o dólar forte que está enfraquecendo a economia turca pode também estar minando a segunda maior economia mundial, a China”.

O dólar forte não é uma obra de Trump, claro, mas as tarifas impostas a produtos chineses certamente contribuirão para enfraquecer a economia (da China ou de qualquer outro país). Basta lembrar que a citada Turquia, que já cambaleava, ficou de joelhos a partir do momento em que Trump impôs tarifas punitivas para o aço e o alumínio.

Em um mundo tão interdependente, a “terra arrasada” ricocheteia nos países mais inesperados. Exemplo, aqui ao lado, o Uruguai: a Turquia é, de longe, o maior comprador de gado vivo uruguaio (absorve 89% das exportações). A derrocada da lira turca fez com que tenha se tornado impossível vender gado ao país, segundo Rodrigo González, presidente da União de Exportadores de Gado em Pé.

Se há vítimas colaterais de tiros contra uma economia secundária como a da Turquia, é fácil imaginar os estragos de uma derrubada da economia chinesa, 15 vezes maior que a turca e que representa 16% da economia global. “Para o resto do mundo, o colapso da lira turca pode provar-se um evento passageiro, mas a China tende a decidir em que direção vai a crise”, escreveu Sharma.

A ligeireza com que Trump festeja problemas em outros países torna compreensível pesquisa Gallup que mostra o colapso na aprovação da liderança americana. Na era Obama, ficava em 48% na média dos 134 países pesquisados. Caiu para 30% com Trump.

O diabo é que nenhum país ou conjunto de países demonstrou até agora capacidade e determinação para tentar ao menos controlar os incêndios gerados por esse Nero do século 21.

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