Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Governo Trump

Quando Trump e Lula (quase) coincidem

Preso um, sitiado o outro, mantêm suas turmas

Incomodado com o fato de um prisioneiro, condenado por corrupção, liderar com folga o cenário para as eleições presidenciais brasileiras? Tem todo o direito, desde que não ache que se trate de fenômeno típico de país tropical.

O presidente americano Donald Trump em frente a retrato de George Washington na Casa Branca nesta quarta (22)
O presidente americano Donald Trump em frente a retrato de George Washington na Casa Branca nesta quarta (22) - Mandel Ngan - 22.ago.18/AFP

Nos Estados Unidos, com mais de 200 anos de democracia, há um certo Donald Trump cujo caso roça levemente o de Lula no Brasil.

Primeiro os fatos: na terça-feira (21), Michael Cohen, advogado de Trump por muito tempo, declarou-se culpado em oito casos de delitos graves. Conclusão de editorial de The Washington Post, republicado por The Miami Herald: “Trump não pode alegar que esses crimes não ocorreram ou que ele não tem nada a ver com eles”.

Emenda com uma espécie de apelo sub-reptício ao impeachment, ao dizer que “o Congresso tampouco pode” [aceitar que o presidente nada tem a ver com os crimes assumidos por seu ex-advogado].

À confissão de Cohen seguiu-se, no mesmo dia, a condenação de Paul Manafort, ex-chefe de campanha de Trump, também por oito delitos graves.

Não dá, pois, para discordar do editorial do Miami Herald/Washington Post, quando diz que “foi um dia histórico, e não é um daqueles de que os americanos possam se orgulhar”.

Trump encontra-se, de certa forma, em um estágio semelhante ao de Lula antes de ser condenado: sob forte suspeita e com auxiliares importantes (de Trump como de Lula) já na cadeia ou a caminho dela (como Cohen e Manafort).

Caiu, então, o prestígio de Trump? Como não há eleição presidencial nos EUA, não há pesquisa que possa medi-lo agora, ao contrário do que ocorre com Lula.

Mas a revista The Economist já antecipa a posição do partido de Trump: “o Partido Republicano está mais empenhado em respaldar Trump do que com a ideia de que ninguém está acima da lei” (o PT pensa do mesmo jeito).

Outra boa indicação de que os simpatizantes do presidente americano têm a mesma condescendência demonstrada pelos admiradores de Lula aparece na “newsletter” de Opinião do New York Times.

O titular, David Leonhardt, está de férias e passou a incumbência, nesta quarta-feira (22), para Christopher Buskirk, colunista e editor de American Greatness (Grandeza Americana), publicação conservadora.

Escreve ele: “esse foco voyeuristico em uma insignificante corrupção pessoal é uma distração danosa”. Alusão ao fato de que Cohen confessou ter pago duas mulheres, “orientado por Trump”, para que silenciassem sobre seus casos com o então cidadão Trump.

Seria um crime federal orientar um subordinado a fraudar as leis de financiamento eleitoral, pagando pessoas para evitar que o eleitorado tomasse conhecimento de informações potencialmente relevantes.

O argumento de Chris Buskirk guarda alguma remota semelhança com a defesa de Lula, no sentido de desprezar ou minimizar a corrupção. No caso de Lula, o argumento subjacente é o que ele próprio usou no episódio do mensalão: o PT fez o que todo o mundo faz (caixa dois).

É crime? É. Mas, se todo mundo faz, por que só o Lula vai preso e fica impedido de concorrer? Daí a pretender votar nele é um passo.

Moral da história: nem Brasil nem EUA têm hoje muito a ensinar em matéria de comportamento republicano. Nada animador, mas é o que temos para hoje.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.