Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Clóvis Rossi

Venezuela, ou como morre um país

Nas falhas da democracia, entram os salvadores da pátria

Venezuelanos caminham em direção à fronteira com o Brasil
Venezuelanos caminham em direção à fronteira com o Brasil - Avener Prado/Folhapress

Com a devida autorização, roubo texto no Facebook de Janaina Figueiredo, a excelente jornalista que é correspondente de O Globo em Buenos Aires.

Excelente, aliás, por DNA: é filha de Newton Carlos, precursor do colunismo em assuntos internacionais na mídia brasileira, principalmente nesta Folha, em que ficou por 25 anos. Minha referência quando comecei a trilhar os caminhos que ele conhecia tão bem.

O texto de Janaina demonstra sentimento, coração, coisas que o jornalista quase sempre tem que sufocar para cingir-se aos fatos secos e/ou à opinião baseada neles.

Ela escreveu sobre sua experiência de nove viagens à Venezuela, entre 2002 e 2018. "Vi esse país desmoronar lentamente e jamais imaginei, há 16 anos, que os pobres venezuelanos, que foram a base do chavismo, abandonariam a pé sua terra para não morrer de fome. A Venezuela dói, cada vez mais."

Tenho idêntico sentimento cada vez que vejo as fotos de venezuelanos marchando rumo ao Brasil, à Colômbia, ao Peru, ao Equador, até à Argentina e ao Uruguai, tão distantes. "A dimensão do êxodo rivaliza com aqueles de países devastados por guerras como Afeganistão e Sudão do Sul", escreve a revista The Economist no número que está nas bancas.

No total, a ONU calcula que 2,3 milhões de venezuelanos fugiram da ditadura fracassada. Posto como proporção das respectivas populações, corresponderia ao êxodo de uns 15 milhões de brasileiros, mais que toda a população da cidade de São Paulo.

Por isso e por todos os demais dados do colossal desastre econômico e social da Venezuela, atrevo-me a sugerir um complemento ao já clássico "Como Morrem as Democracias", de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt.

O que está acontecendo na Venezuela vai muito além da morte da democracia, o que já seria desastroso. É a morte de um país.

Na coluna para a Folha de sexta-feira (24), Levitsky escreve, tendo em mente a Venezuela, entre outros países: "Hoje, a maioria das democracias morre não por ação de generais, mas sim de líderes eleitos --presidentes ou primeiros-ministros que usam as instituições da democracia para subvertê-la".

De pleno acordo, mas é importante ir além e investigar como se torna possível que se elejam líderes que acabam apunhalando a democracia.

A Venezuela seria o perfeito estudo de caso para explicar como essa tragédia ocorre. Fez em meio século o percurso de saída de uma ditadura (de Marcos Pérez Jiménez, 1952-58) para acabar caindo nas mãos de Hugo Chávez, o líder eleito que usou as instituições da democracia para comê-las pelas bordas até que seu sucessor, Nicolás Maduro, completasse a obra de destruição —da democracia e do país.

Como isso aconteceu é tema que cientistas políticos ou historiadores explicariam melhor. Minha opinião: a democracia venezuelana nunca foi inclusiva o suficiente para apaixonar as massas marginalizadas e empobrecidas. 

Quando surge alguém como Hugo Chávez disposto a ouvi-las, vão atrás. Pouco importa se é demagogia, se é populismo, se é insustentável. Sentem uma atenção que jamais tiveram.

Não é diferente em grande parte da América Latina. A democracia precisa atender às maiorias. A alternativa, se e quando algum Chávez se instalar, será dizer que dói, como Janaina disse sobre a Venezuela.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.