Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Governo Trump

A casa do terror é Branca

Artigo anônimo abriu uma caixa de Pandora do governo Trump

Quem, como eu, achava que nada mais que se referisse a Donald Trump poderia causar espanto tomou um choque na quarta-feira (5): nesse dia, The New York Times publicou insólito artigo anônimo de alguém identificado apenas como “funcionário sênior” da administração americana.

Choque não pelo conteúdo em si, embora os qualificativos usados para definir o presidente sejam absolutamente terríveis. A saber: equivocado, impulsivo, instável, errático, mal informado, antidemocrático, impetuoso, contraditório, mesquinho e ineficiente.

Quase todas essas desqualificações já apareceram nas páginas do próprio Times, em artigos e/ou reportagens, com a devida assinatura do autor. Quase todas apareceram igualmente em outros jornais de qualidade mundo afora.

O presidente americano Donald Trump antes de embarcar em avião na Dakota do Sul
O presidente americano Donald Trump antes de embarcar em avião na Dakota do Sul - Nicholas Kamm - 7.set.2018/AFP

O que choca são duas coisas: primeiro que um jornal com a qualificação do New York Times publique um artigo não assinado. Uma coisa é INFORMAÇÃO de fonte anônima. Jornalistas do mundo inteiro se utilizam desse tipo de instrumento, depois da devida checagem com outras fontes e da necessária investigação.

Outra coisa, totalmente diferente, é publicar uma OPINIÃO de fonte anônima. A Folha, por exemplo, não publicaria, como me disse Sérgio Dávila, editor-executivo:

“Penso que não publicaríamos um artigo anônimo na nossa página A3. A não ser em caso de sigilo de fonte jornalística, a Constituição brasileira proíbe o anonimato. Seguimos o mesmo princípio nos comentários das reportagens em nosso site: todo assinante pode criticar, desde que não quebre a lei E se identifique”.

O Times, ao comportar-se de forma diferente, acabou abrindo uma caixa de Pandora, o que é a segunda razão para espanto. Seu concorrente, The Washington Post, informou, a propósito do texto publicado pelo Times: “A frase ‘as células adormecidas acordaram’ circularam em mensagens de texto entre auxiliares e aliados externos [do presidente]”.

E ouviu de um ex-funcionário da Casa Branca que mantém contato próximo com antigos colegas: “É como aqueles filmes de terror quando alguém percebe que o telefonema está vindo de dentro da casa”.

Para quem não se lembra, “células adormecidas” é o rótulo que se usa para designar grupos terroristas incrustados em determinados países e que hibernam até serem chamados para explodir uma bomba.

É uma avaliação coerente com a ideia de que uma película de horror se desenrola na Casa Branca. O diabo, nessa história, é procurar distinguir quem é o Freddy Krueger, se o presidente ou se o pessoal que, segundo ele tuitou, comete “TRAIÇÃO” (assim com maiúscula, como Trump costuma usar em seu abundante vocabulário).

Claro que os críticos de Trump dirão que os mocinhos nesse filme de horror são os funcionários que tentam sabotar o presidente para impedir mais desgraças e que dizem fazê-lo em nome da pátria.

Para Susan Hennessey (do site Lawfare), o duro é perceber como deve ser “genuinamente assustador sentir o que alguém sentiu para se ver na necessidade de escrever isso”.

Dá para deduzir, portanto, que Freddy Krueger mora na Casa Branca e apavora alguns outros frequentadores. Resta saber se terá mil vidas, como no cinema.

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