Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Venezuela

O charuto não é o grande crime de Maduro

O problema do ditador é a desgraça descomunal que produziu em seu país

Entendo o choque que causou na Venezuela e em boa parte da mídia brasileira as imagens de Nicolás Maduro se fartando em um restaurante chiquérrimo e carésimo de Istambul, ainda por cima fumando um charuto, certamente cubano.

É um flagrante preciso do que venho escrevendo faz muito tempo neste espaço: Maduro não tem um miligrama de esquerda, de socialista, do quer que seja. É um ditador calcado no velhíssimo molde dos ditadores caribenhos. Ponto. Um Somoza do século 21.

Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, come no restaurante do chef Salt Bae em Istambul
Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, come no restaurante do chef Salt Bae em Istambul - Reprodução

A única diferença, em relação aos Somoza da Nicarágua, é quem o apoia. Consta que, em 1939, o presidente Franklin Delano Roosevelt teria dito que Somoza podia ser um filho da puta “mas é nosso filho da puta”.

Hoje, a enorme fatia burra da esquerda brasileira diz a mesma coisa de Maduro, mas o faz em voz baixa.

O choque com a foto de Maduro é compreensível, mas é enxergar a folha da árvore e esquecer o bosque. Vamos combinar que presidentes, democráticos ou não, comem sempre que possível em restaurantes estrelados do Guia Michelin.

Acompanhei dezenas de viagens internacionais de todos os presidentes, desde a redemocratização, e mais de uma vez fiz plantão em restaurante em que jantavam. Podiam não ser restaurantes tão chiques e tão caros quanto o de Maduro em Istambul mas nunca vi um presidente que encostasse o umbigo no balcão de um food truck para comer.

Gozar das delícias do poder é uma atração fatal. Ressalve-se apenas Itamar Franco. Nas viagens dele que acompanhei nunca foi de dar-se a esses gozos.

O problema com Maduro não é nem o restaurante nem o charuto. É a desgraça descomunal que produziu em seu país. E a incapacidade de os venezuelanos e a comunidade internacional acharem um meio de pôr fim à tragédia.

Incapacidade tamanha que, vira e mexe, vem alguém com a proposta de intervenção militar. Até entendo: é puro desespero ante a tragédia, mas é completamente sem sentido.

Faz mais sentido a carta em que os governos de Peru, Argentina, Chile, Colômbia e Paraguai assinarão na próxima semana para denunciar Maduro perante a Tribunal Penal Internacional por violação dos direitos humanos de maneira sistemática e especificamente por crimes de lesa humanidade.

Pode até não resolver nada da tragédia venezuelana, mas certamente aponta o dedo para os verdadeiros crimes de Maduro, que vão muito além da comida e do charuto de Istambul.

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