Vou pegar o trem para a Argentina sugerido por meu guru em economia, Vinicius Torres Freire, em sua coluna desta quarta-feira (26).
Só lamento que ele tenha “furado” a minha programação: desde o anúncio da greve geral na Argentina, afinal efetuada na terça (25), vinha consultando meus amigos argentinos a partir da seguinte pergunta: que lições a crise do momento na Argentina pode ensinar ao vitorioso na eleição brasileira?
Claro que sempre cabe a ressalva de que não dá para transportar automática e plenamente situações de um país para outro. Mas Vinicius me fez o favor de mostrar com o didatismo de sempre todas as diferenças, o que me dispensa de repeti-las aqui.
O ponto em que vou me fixar é o fato de que boa parte das energias do próximo governo terá necessariamente de ser dedicada ao problema das contas públicas, como está acontecendo com Mauricio Macri na Argentina.
O que fez Macri inicialmente? Recorreu ao gradualismo. Ou, mais precisamente, a reformas gradativas para reduzir os desequilíbrios econômicos e cortar um déficit fiscal que, em 2015, quando ele se elegeu, superava 5% do PIB. Abriu a economia para o comércio e o investimento externos.
Funcionou a princípio, tanto que a Argentina saiu da recessão de 2016 para um crescimento de 2,9% em 2017 —não por acaso, a coligação de Macri foi vitoriosa na eleição parlamentar daquele ano.
Aí, em abril deste ano, veio a corrida contra moedas de emergentes, e a Argentina foi das principais vítimas.
A sequência é assim descrita por Bruno Binetti, pesquisador do Inter-American Dialogue, baseado em Buenos Aires:
“Subitamente, investidores internacionais e domésticos, que haviam respaldado Macri, saíram do país, do que resultou uma corrida contra o peso, que caiu de 20 pesos por dólar no começo do ano para mais de 40 este mês".
Era inevitável recorrer ao Fundo Monetário Internacional, que é onde está parado hoje o trem da Argentina, e trocar o gradualismo pelo ajuste impiedoso.
Que conclusões se podem extrair para o Brasil de 2019?
1 - Não basta ter um presidente amigo dos mercados para que o trem não descarrile. É preciso fazer as reformas por eles demandadas (se são as reformas corretas ou necessárias, é outra discussão)
2 - O gradualismo pode ser politica e socialmente mais responsável, mas nem sempre encaixa bem. No caso argentino, a oposição, especialmente, o poderoso movimento sindical, não aceitava nem o gradualismo das reformas nem aceita o ajuste acertado com o FMI.
A diferença para com o Brasil é que, aqui, não há um movimento sindical tão poderoso, capaz de parar o país como aconteceu na Argentina nesta terça-feira.
Nos meus muitos anos de cobertura de crises em Buenos Aires, cansei de acompanhar as chamadas greves “materas” (os sindicalistas ficavam em casa tomando mate e, mesmo assim, o país parava) —até na ditadura.
Uma terceira eventual lição aprendi com Félix Peña, experiente observador, diretor da Fundação ICBC. Peña cunha a expressão “democracia de empate” para classificar a situação tanto no Brasil como na Argentina.
Explica: “O presidente, ao não ter maioria parlamentar, se vê obrigado a negociar e a buscar acordos, especialmente com governadores e legisladores da oposição, para aprovar leis que interessam a uns e outros".
Seria a tal “democracia de empate", caracterizada, completa Peña, “pela necessidade de negociar entre todos as 72 horas do dia".
No Brasil, a democracia do empate foi chamada de “presidencialismo de coalizão” (ou mais exatamente de cooptação) e, de modo geral, terminou em esculhambação, apesar de ter funcionado até certo ponto e até certo momento nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Se o Brasil se encaminha, como tudo indica, para uma nova “democracia de empate", mais vale prestar atenção às eleições para o Congresso porque ele será o verdadeiro Posto Ipiranga de quem quer se eleja.
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