Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Olhe para a Argentina e comece a chorar

Que lições a crise do momento na Argentina pode ensinar ao vitorioso na eleição brasileira?

Vou pegar o trem para a Argentina sugerido por meu guru em economia, Vinicius Torres Freire, em sua coluna desta quarta-feira (26).

Só lamento que ele tenha “furado” a minha programação: desde o anúncio da greve geral na Argentina, afinal efetuada na terça (25), vinha consultando meus amigos argentinos a partir da seguinte pergunta: que lições a crise do momento na Argentina pode ensinar ao vitorioso na eleição brasileira?

Claro que sempre cabe a ressalva de que não dá para transportar automática e plenamente situações de um país para outro. Mas Vinicius me fez o favor de mostrar com o didatismo de sempre todas as diferenças, o que me dispensa de repeti-las aqui.

O ponto em que vou me fixar é o fato de que boa parte das energias do próximo governo terá necessariamente de ser dedicada ao problema das contas públicas, como está acontecendo com Mauricio Macri na Argentina.

Estação de trem de Constituição, em Buenos Aires, fica vazia em dia de greve - Eitan Abramovich - 25.set.18/AFP

O que fez Macri inicialmente? Recorreu ao gradualismo. Ou, mais precisamente, a reformas gradativas para reduzir os desequilíbrios econômicos e cortar um déficit fiscal que, em 2015, quando ele se elegeu, superava 5% do PIB. Abriu a economia para o comércio e o investimento externos.

Funcionou a princípio, tanto que a Argentina saiu da recessão de 2016 para um crescimento de 2,9% em 2017 —não por acaso, a coligação de Macri foi vitoriosa na eleição parlamentar daquele ano.

Aí, em abril deste ano, veio a corrida contra moedas de emergentes, e a Argentina foi das principais vítimas.

A sequência é assim descrita por Bruno Binetti, pesquisador do Inter-American Dialogue, baseado em Buenos Aires:

“Subitamente, investidores internacionais e domésticos, que haviam respaldado Macri, saíram do país, do que resultou uma corrida contra o peso, que caiu de 20 pesos por dólar no começo do ano para mais de 40 este mês".

Era inevitável recorrer ao Fundo Monetário Internacional, que é onde está parado hoje o trem da Argentina, e trocar o gradualismo pelo ajuste impiedoso.

Que conclusões se podem extrair para o Brasil de 2019?

1 - Não basta ter um presidente amigo dos mercados para que o trem não descarrile. É preciso fazer as reformas por eles demandadas (se são as reformas corretas ou necessárias, é outra discussão)

2 - O gradualismo pode ser politica e socialmente mais responsável, mas nem sempre encaixa bem. No caso argentino, a oposição, especialmente, o poderoso movimento sindical, não aceitava nem o gradualismo das reformas nem aceita o ajuste acertado com o FMI.

A diferença para com o Brasil é que, aqui, não há um movimento sindical tão poderoso, capaz de parar o país como aconteceu na Argentina nesta terça-feira.

Nos meus muitos anos de cobertura de crises em Buenos Aires, cansei de acompanhar as chamadas greves “materas” (os sindicalistas ficavam em casa tomando mate e, mesmo assim, o país parava) —até na ditadura.

Uma terceira eventual lição aprendi com Félix Peña, experiente observador, diretor da Fundação ICBC. Peña cunha a expressão “democracia de empate” para classificar a situação tanto no Brasil como na Argentina.

Explica: “O presidente, ao não ter maioria parlamentar, se vê obrigado a negociar e a buscar acordos, especialmente com governadores e legisladores da oposição, para aprovar leis que interessam a uns e outros".

Seria a tal “democracia de empate", caracterizada, completa Peña, “pela necessidade de negociar entre todos as 72 horas do dia".

No Brasil, a democracia do empate foi chamada de “presidencialismo de coalizão” (ou mais exatamente de cooptação) e, de modo geral, terminou em esculhambação, apesar de ter funcionado até certo ponto e até certo momento nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

Se o Brasil se encaminha, como tudo indica, para uma nova “democracia de empate", mais vale prestar atenção às eleições para o Congresso porque ele será o verdadeiro Posto Ipiranga de quem quer se eleja.

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