Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

A maconha é livre (no Canadá)

Vale a pena acompanhar uma experiência como essa

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É uma pena que o candidato que parece muito perto de se eleger presidente do Brasil já tenha antecipado que vai continuar e até endurecer a chamada guerra às drogas.

Pena por dois motivos: primeiro, é uma guerra perdida já faz um bom tempo e não há o mais leve sinal de que endurecer vai levar à vitória.

Pena também porque qualquer político com um mínimo de sensatez e grandeza deveria prestar a máxima atenção à experiência que começa nesta quarta-feira (17) no Canadá: será o segundo país do mundo, depois do Uruguai, a liberar o consumo recreacional de maconha.

Plantas de cannabis de produtor em Lincoln, Ontário (Canadá) - Lars Hagberg - 12.out.18/AFP

Claro que valeria a pena também estudar o caso uruguaio, até por ser mais próximo. Mas o Canadá torna-se um emblema maior por ser o primeiro país grande e rico a adotar essa nova política.

O objetivo do novo enfoque foi bem definido pelo primeiro-ministro Justin Trudeau (atenção, ele não é comunista, é liberal): ”Tem sido demasiado fácil para nossos jovens obter marijuana —e para os criminosos colherem os lucros. Hoje, mudamos isso", afirmou ao anunciar que a nova legislação passara no Senado, em junho.

O principal aspecto é, portanto, atingir o mercado negro da droga, que ceva a violência, e, ao mesmo tempo, permitir que o consumidor tenha acesso a um produto mais limpo.

A experiência uruguaia mostra que ambos os pontos estão sendo em parte atingidos: a regulamentação da venda da maconha, em julho de 2017, reduziu o mercado negro da droga em 25%, segundo dados oficiais, e diminuiu a violência ligada à comercialização, além de garantir a qualidade do produto aos usuários regulares registrados, informou reportagem de Sylvia Colombo nesta Folha.

No Canadá, já há uma lição a ser aprendida, antes mesmo de começar a comercialização legal de cannabis: é preciso haver locais em número suficiente para atender a demanda. Do contrário, o mercado negro continuará a existir.

”Estimamos que o fornecimento legal no máximo atenderá de 30% a 60% da demanda total no primeiro ano da legalização", escrevem, para o jornal Globe&Mail, Anindya Sen (Universidade de Waterloo) e Rosalie Wyonch (Howe Institute).

Faltam também, calculam os dois acadêmicos, lojas físicas para vender a maconha. Ontário, por exemplo, só abrirá loja física em abril de 2019.

É possível, no entanto, que o novo negócio seja suficientemente atraente para acelerar tanto a produção como a instalação de comércios.

Exemplo colhido também no Globe&Mail: a cidadezinha de Smiths Falls, na província de Ontário, de apenas 9 mil habitantes, perdera 1.700 empregos em cinco anos, a partir do fechamento em 2008 de uma fábrica da Hershey (produtora de chocolates). Aí, mudou-se para lá a Tweed Marijuana, em 2014, e a cidade ressuscitou: agora sob a marca Canopy Growth, emprega mais de 700 pessoas e contrata de 20 a 30 a cada semana.

Canadá e Uruguai não são exemplos isolados: nos Estados Unidos, nove estados e a capital, o Distrito de Columbia, permitem o consumo recreacional de maconha para adultos.

”Quer dizer que cerca de 190 milhões de pessoas ou ligeiramente mais do que seis vezes a população do Canadá terão acesso legal à alguma forma de cannabis", comenta Steve Rolles, da Fundação para Transformar a Política de Drogas, com sede no Reino Unido.

É claro que legalizar o consumo não é abrir as portas do paraíso. Há perigos a considerar, como aponta, por exemplo, estudo clínico da McGill University, também no Canadá: o consumo da maconha torna mais difícil identificar problemas e reagir a eles na direção de um veículo, o que pode resultar em acidentes.

O estudo mostrou que cerca de 80% dos participantes, com idades entre 18 e 24 anos, relataram sentir-se menos seguros ao dirigir depois de usar a droga, até mesmo transcorridas cinco horas.

Enfim, antes que me acusem, aviso que nunca usei drogas e estou velho demais para começar agora (talvez possa pensar em formol). Só constato, como aliás já o fizeram ex-presidentes como Fernando Henrique Cardoso, que a guerra às drogas fracassou e, portanto, é inescapável procurar outros caminhos.

Olhar para a experiência canadense é uma maneira de verificar se ocorrerá o que já citado Steve Rolles prevê: ”O céu não vai cair; tornar-se-á perceptivelmente brilhante. Onde regulamentações legais foram tentadas, entregaram comunidades mais saudáveis e seguras".

Custa checar?

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