Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Estados Unidos e Brasil, quando a ira vota

Um ambiente tóxico disseminado de cima para baixo

A mais sucinta e correta análise dos episódios de bombas enviadas a críticos do presidente Donald Trump aparece no título da coluna para o canadense The Globe and Mail de Jared Yates Sexton (Georgia Southern University): ”Make America hate again”.

É um achado precioso transformar o mantra de Trump (Faça a América grande de novo) em ”Faça a América odiar de novo”.

Se, do outro lado da fronteira, no usualmente tranquilo e sereno Canadá, é essa a visão que se tem do momento que vivem os EUA, é natural que, no próprio país, os sentimentos sejam mais exaltados.

O fato de ter sido preso um acusado de despachar os atestados não muda o contexto mais amplo, assim descrito por Charles Blow, colunista do New York Times: ”Não há maneira de falar sobre os artefatos explosivos e não lembrar que o próprio Donald Trump criou um ambiente tóxico ao abertamente visar muitas das mesmas pessoas e entidades [alvos dos atentados] na sua retórica esquentada e exaltada”.

Era inevitável, pois, que o presidente da CNN WorldWide, Jeff Zucker, apontasse o dedo na mesma direção: ”Há uma falta de compreensão total e completa na Casa Branca sobre a seriedade de seus contínuos ataques à imprensa”.

 

Mesmo a Folha, no remoto Brasil, lamentava, em editorial nesta sexta-feira (26), que Trump praticasse "a habitual demonização da imprensa” e acrescentava que o ”ambiente de exacerbada polarização em que se encontra o país” passa, em boa medida, ”pelas atitudes do próprio mandatário”.

 

Assim postas as coisas, proponho trocar EUA por Brasil e Donald Trump por Jair Bolsonaro e verificar se não há inquietantes semelhanças.

A maior e mais evidente aparece na newsletter de Política, também do New York Times, escrita por Lisa Lerer, referindo-se ao pleito legislativo de novembro nos EUA:  "Algumas eleições são acerca de esperança.

Algumas eleições são acerca de mudança. E algumas eleições são acerca de medo”.

Suspeito que ninguém duvidará de que a eleição brasileira gira muito, demasiado, em torno do medo.

Medo que se transforma inexoravelmente em raiva. Raiva que se expressa na rejeição recorde de ambos os candidatos nesta fase final da eleição. Metade do eleitorado, pouco mais ou menos, odiará ver Fernando Haddad vestir a faixa presidencial. A outra metade, pouco mais ou menos, tremerá de medo ao ver Bolsonaro com ela.

Outra inescapável –e sombria– semelhança está no relacionamento com a mídia, cá como lá. A propósito dos atentados, disse Trump: ”Uma grande parte da raiva que vemos na nossa sociedade é causada pelas reportagens propositadamente falsas e incorretas da Grande Mídia, à qual me refiro como Fake News”.

É sem tirar nem pôr o que disse Jair Bolsonaro no vídeo exibido no domingo passado (21) para o comício da avenida Paulista. Bolsonaro foi até mais longe do que Trump. O americano cobrou retratação da mídia, o brasileiro quer expulsar a Folha.

É nesse ambiente, tão tóxico aqui como lá, que se vai votar neste domingo (28). Se não se fizer nada daí em diante, temo que Fernanda Torres tenha razão ao prever, na sua coluna de sexta-feira (26): "A corda vai romper antes de [o pêndulo] voltar para o centro”.

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