O novo governo brasileiro terá que se apresentar, pelo menos em sua face para o exterior, apenas um mês depois do segundo turno e, portanto, um mês antes da posse.
Explico: dia 30 de novembro, começa em Buenos Aires a cúpula do G20, o clubão das 20 maiores economias do planeta, no qual o Brasil teve razoável relevância no período Luiz Inácio Lula da Silva e foi murchando com Dilma Rousseff e mais ainda com Michel Temer.
Se sobrou algum bom senso no mundo político brasileiro, seria razoável que a equipe do novo governo fosse incorporada ao grupo que está negociando os temas da cúpula. Não chego a propor algo como o que se fez na Cúpula das Américas de 1994, em que o presidente Itamar Franco levou a Miami o seu sucessor, já eleito, Fernando Henrique Cardoso. Eram tempos de vinho e rosas; hoje são tempos de fel.
Mas pelo menos alguns negociadores do novo governo deveriam incorporar-se à equipe brasileira, pela óbvia razão de que o que for discutido e eventualmente decidido no G20 valerá menos para o finzinho do governo Temer e muito mais para o próximo presidente.
Pelo teor das discussões entre os negociadores, no dia 14 de setembro, a cúpula será uma espécie de ringue para que Estados Unidos e China troquem golpes como parte da guerra comercial que Donald Trump deslanchou e os chineses responderam.
Nesse encontro preliminar, ficou decidido que as divergências seriam levadas para a reunião de cúpula, à qual, em princípio, devem comparecer Trump e Xi Jinping. De quebra, está prevista a discussão da reforma da Organização Mundial do Comércio.
Será, portanto, a ocasião perfeita para que o novo governo comece a definir sua política externa frente aos dois gigantes, EUA e China.
A julgar pelos programas de política externa dos candidatos, esmiuçados pela sempre competente Patrícia Campos Mello, a relação com os Estados Unidos será ou de alinhamento incondicional, quase vassalagem, se Jair Bolsonaro ganhar. Se, no entanto, der Fernando Haddad, será pragmática, antecipou Celso Amorim, o chanceler em todos os oito anos de Lula e com grandes chances de voltar ao cargo com Haddad.
Alinhamento incondicional é sempre ruim e, além disso, não faz parte do repertório do Itamaraty. Nem na ditadura militar —que contou com auxílio americano para se instalar— as relações foram de vassalagem. É verdade que o Brasil da época prontificou-se sempre a ser parte do escudo anticomunista que os Estados Unidos procuravam erguer na América Latina.
Nem por isso, deixaram de surgir divergências em especial na área de comércio e também na nuclear. Tanto que o governo de Ernesto Geisel (1974-79) teve que procurar na Alemanha um acordo para a construção de oito usinas nucleares, porque os Estados Unidos suspenderam o fornecimento do urânio enriquecido para novas usinas.
Agora que a guerra fria acabou, fica restrito o campo para cooperação contra o comunismo, o que tende a deixar mais fortes as perspectivas de divergências na área comercial.
Trump, como se tem visto, não tem o menor cuidado em desancar aliados tradicionais. Não parece haver razão para que deixe de fazê-lo com um admirador confesso como Bolsonaro.
Quanto à China, a perspectiva é de conflito aberto. Como relatou Patrícia, o candidato declarou em vídeo deste ano que “a China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil.” Na verdade, a China está comprando meio mundo.
Alinhar-se com os Estados Unidos contra a China é correr riscos com os dois países, justamente no momento em que há uma disputa não tão disfarçada pela hegemonia global.
Já se for Haddad o presidente, a relação será “pragmática", antecipou Amorim. O pragmatismo funcionou bem para Lula, tanto com George Walker Bush como com Barack Obama, os dois presidentes do período Lula/Amorim. Acontece que ambos eram pessoas normais, com políticas definidas.
Trump não é um presidente normal e nem tem regras de conduta definidas. O pragmatismo pode, portanto, não funcionar com ele.
Ainda mais que, em seu recente livro sobre o governo Trump, o jornalista Bob Woodward relata que, em dado momento, Trump escreveu, com as maiúsculas que costuma usar: “TRADE IS BAD" (o comércio é ruim).
Para o Brasil, qualquer que seja o governo, comércio não é ruim, não. Ao contrário, pode ser vital para uma economia cambaleante.
Tudo indica, pois, que até em política externa, algo que raramente emociona o brasileiro, virão tempos de borrasca.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.