Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Eleições 2018

O mundo faz imagem ruim de Bolsonaro

O eleito promete mudar o eixo diplomático

Homens seguram sinalizadores e bandeiras do Brasil
Apoiadores de Jair Bolsonaro comemoram vitória na avenida Paulista, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

A imagem que o mundo vê do Brasil de Jair Bolsonaro é a mais feia possível, se se tomarem como referência as críticas contundentes dos meios liberais de comunicação. Desde que a revista The Economist tascou na capa de 22 de setembro que Bolsonaro era ”a mais recente ameaça na América Latina”, o risco para a democracia por ele representado apareceu em todos os idiomas predominantes no planeta.

Apareceu em inglês também em The New York Times e no Guardian, apareceu em francês em Le Monde, em espanhol em El País e até no português de Portugal: ”Amanhã [este domingo, 28], Deus vai provar que se fartou de ser brasileiro e vai dar ao Brasil o pior presidente da sua história: Jair Bolsonaro”, escreveu Miguel Sousa Tavares, colunista do Expresso, semanário de referência de Portugal.

Tornou-se usual na mídia internacional jogar Bolsonaro no cesto em que figuram governantes ditos populistas e/ou iliberais/contraliberais, da estirpe do húngaro Viktor Orbán, do filipino Rodrigo Duterte, do russo Vladimir Putin.

Donald Trump também figurou na lista, mas, com todos os seus excessos, não chegou a comer a democracia pelas bordas, ao contrário dos demais citados.

Ana Fuentes, colunista de El País, define assim esse modelo iliberal: ”Em vez de sustentar-se na separação de poderes e na garantia das liberdades individuais, que o Ocidente levou dois séculos para construir, a democracia iliberal é comida rápida, só se baseia na legitimação pelas urnas”.

Completa: tais governantes ”assumem o liberalismo econômico, mas rechaçam plenamente todos os elementos tradicionais do liberalismo político”.

Parece pensado para as duas almas do bolsonarismo: de um lado, o liberalismo econômico representado pelo seu futuro ministro de Economia, Paulo Guedes, e, de outro, pelo DNA estatista e autoritário dos militares que o cercam às dúzias.

Como essas duas almas conseguirão conviver dirá muito sobre qual será o eixo diplomático da gestão Bolsonaro. O programa apresentado ao TSE é mais panfletário do que realmente definitório.

Começa dizendo que ”deixaremos de louvar ditaduras assassinas e desprezar ou mesmo atacar democracias importantes como EUA, Israel e Itália”.

A primeira frase é óbvia alusão à Venezuela, embora possa servir também para a Nicarágua. Deixar de louvar é correto, mas não há a mais leve indicação do que substituirá a louvação. O atual governo já fez tudo o que lhe pareceu possível para isolar a ditadura venezuelana.

Como Bolsonaro já disse que descarta uma intervenção militar, o único passo adiante seria adotar sanções como as que os EUA impuseram à figuras importantes e até nem tão importantes do bolivarianismo.

Na tradição do Itamaraty, sanções só podem ser aplicadas se decididas pelo Conselho de Segurança da ONU, que, no entanto, seriam vetadas por China e Rússia.

A segunda parte da frase (ataques aos EUA, Israel e Itália) é, no mínimo, uma imprecisão. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, as relações com Washington estiveram em ótimo nível, até monótono, pela falta de conflitos. A exceção foi o episódio de espionagem no telefone de Dilma Rousseff, que, no entanto, logo foi superado.

Com a Itália, o único ponto de atrito foi a não extradição de Cesare Battisti, condenado na Itália à prisão perpétua por quatro homicídios. A frase pode ser uma indicação de que, agora sim, haverá a extradição.

Com Israel, tampouco houve ataques, tanto que Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido em 2010 com todas as honras protocolares: visitou o presidente (então Shimon Peres), o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e o Knesset, o Parlamento, saudado pelo então presidente, Reuven Rivlin, hoje presidente da República.

Visitou também o Yad Vashem, o Museu do Holocausto, do qual saiu com uma frase que os judeus adoraram: “Aqueles que lutam pelos direitos humanos não podem de forma alguma permitir que se repita algo como o Holocausto”.

Fechou com uma espécie de prece: “Nunca mais, nunca mais, nunca mais”.

O problema com Israel é que os governos do PT trataram de se equilibrar entre Israel e os palestinos, o que é, aliás, tradicional na diplomacia brasileira.

Bolsonaro vai romper esse equilíbrio, se cumprir a promessa de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo os passos de Donald Trump. Vai também fechar a embaixada palestina em Brasília.

Agradará Israel mas irritará o mundo muçulmano, formado por 1,8 bilhão de pessoas. O Brasil é o maior exportador para esse mercado de carne halal (técnica de abate aceita pela religião).

Um segundo ponto do programa de Bolsonaro registrado no TSE promete: "Não mais faremos acordos comerciais espúrios”.

Soa como eco da permanente pregação de Trump segundo a qual os Estados Unidos têm sido lesados em todos os acordos firmados até que ele assumiu.

Esse capítulo dos acordos comerciais pode ser definitório para a diplomacia de Bolsonaro: Trump já colocou o Brasil na rota dos países que supostamente prejudicam os EUA.

Disse, no início do mês, que o Brasil cobra o que quer dos Estados Unidos e está ”entre os mais duros do mundo, talvez o mais duro”, em negociações comerciais e tratamento das empresas americanas.

O programa de Bolsonaro também defende ”ênfase nas relações e acordos bilaterais”, que é o terreno de jogo preferido de Trump. É razoável supor que Bolsonaro terá que decidir, se e quando os dois governos iniciarem discussões comerciais, se ceder à previsível pressão de Trump e aceita um ”acordo espúrio” que diz rechaçar, ou se abre a economia, o que seria compatível com o ultraliberalismo de Paulo Guedes.

Um segundo momento de definição se dará se Trump cobrar de Bolsonaro de que lado está na guerra comercial que o americano desatou contra a China. Até aqui, a tática do Itamaraty foi a neutralidade, tentando aproveitar os eventuais benefícios gerados pelas punições tarifárias impostas por um lado e outro.

Bolsonaro, ao contrário, critica a China. Diz: ”Os chineses não estão comprando no Brasil. Eles estão comprando o Brasil”.

Adotar um lado quando os dois são os principais parceiros comerciais do Brasil (a China à frente dos EUA) é inevitavelmente um passo arriscado.O mundo faz imagem ruim de Bolsonaro 

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