Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Só Tom Cruise ou uma frente ampla salva Haddad

Dá para contrapor à onda autoritária outra corrente?

Se eu fosse Fernando Haddad, em vez de chamar Jacques Wagner ou, eventualmente, Fernando Henrique Cardoso, convocaria Tom Cruise. É o único capaz de encarar missões tidas como impossíveis e sair vencedor.

Pelo menos a julgar pela pesquisa do Datafolha publicada nesta quinta-feira (11), a tarefa de Haddad se parece muitíssimo às que são confiadas a Cruise no cinema. Nem é uma questão de política, de alianças, de apoios. É aritmética pura.

Vejamos: para ganhar a eleição, Bolsonaro precisa de apenas quatro pontos percentuais para agregar aos seus 46,1% do primeiro turno, no pressuposto lógico de que se repetirão no segundo turno. O Datafolha mostrou que ele agregou o triplo, ao subir dos 46% das urnas para os 58% da pesquisa.

Já Haddad precisava somar mais 22 pontos percentuais aos seus 29%. Agregou pouco mais da metade (13 pontos percentuais, ao passar dos 29% das urnas para os 42% da pesquisa).

Tudo bem que vale a ressalva de sempre: a pesquisa é uma fotografia válida para o dia 10, a data em que foi feita, e pode não ser a mesma no dia 28.

Mesmo assim, a mais elementar lógica indica que a missão de Haddad beira o impossível.

Ainda mais que a revista The Economist, no número que está nas bancas, acrescenta um enfoque diferente ao que vem sendo usual na mídia e nas análises acadêmicas. Diz que, ”mais que um movimento organizado de direita, Bolsonaro comandou uma corrente de opinião autoritária".

Mais ou menos o que esta Folha já tascara na manchete sobre o resultado eleitoral, na segunda (8): ”Onda de direita". Só faltou acrescentar o ”autoritária” que a Economist utilizou.

Dá para acreditar que essa onda vá refluir nos 21 dias que separam o primeiro do segundo turno? Muito pouco provável, não? A pesquisa do Datafolha mostrou que a onda se manteve até agora.

Se é assim, é igualmente pouco provável que Jacques Wagner, Ciro Gomes, FHC ou quem mais que resolva se enrolar na bandeira agora verde e amarela de Haddad consigam desmontar a tal corrente de opinião autoritária. São tidos como inimigos, não apenas adversários, e, como tais, têm que ser derrotados.

Se é assim, Haddad não tem mais nada a fazer?

Tem, pelo menos na opinião de um brilhante analista, o filósofo Marcos Nobre, em artigo para a revista Piauí.

Escreve: ”Haddad só tem chance se conseguir mobilizar a sociedade. A sociedade, e não um círculo restrito a partidos, sindicatos ou movimentos. Tem de construir uma onda que possa se contrapor à que colocou Bolsonaro onde está. Tem de conversar e de pactuar uma frente com uma multidão de figuras do mundo da internet, da indústria, dos novos coletivos sociais, da finança, da cultura, do agronegócio, de ONGs, da televisão e de tantos outros lugares".

Nobre acrescenta que o candidato do PT terá que convencer essa eventual coalizão de que ”está à altura da gravidade do momento” e de que ”estará acima de seu próprio partido". Ou seja, terá de sair da bolha que o PT criou em torno do partido e que se alimenta de gritos de guerra que não ecoam além dos ouvidos da militância.

Exemplo, entre tantos: gritaram ”não vai haver golpe” e houve ”golpe” (aliás, seguindo os cânones constitucionais). Poucos saíram às ruas para contestá-lo. Pior: o eleitorado aprovou o ”golpe” ao negar a Dilma o mandato de senador.

Minha opinião: Não sei se a coalizão defendida por Nobre —ao estilo da frente republicana que se forma na França, por exemplo, para derrotar a ultradireita — conseguirá ser montada. E, se for, não sei se conseguirá quebrar a onda Bolsonaro.

Mas, se houver grandeza em Haddad e na ”multidão de figuras” invocadas por Marcos Nobre, pelo menos se armará uma onda capaz de se contrapor à corrente de opinião autoritária corretamente identificada pela Economist. Mesmo que perca a eleição, será um caminho para evitar que a retórica extremista de Bolsonaro se transforme em ações concretas.

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