Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Um aiatolá assume a educação no Brasil

Conselho de ética, o novo nome da polícia moral

Jair Bolsonaro tem confessada admiração pelo presidente Donald Trump, mas, pelo andar da carruagem na área dos costumes, seu governo caminha para se aproximar do Irã dos aiatolás, curiosamente um dos grandes inimigos de Trump.

A ideia do escolhido para ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, de criar “conselhos de ética” para zelar “pela reta educação moral dos alunos” tem todo o cheiro da polícia moral adotada no Irã (entre outros países muçulmanos, como a Arábia Saudita).

A polícia moral iraniana funciona assim, conforme descrição de Samy Adghirni, brilhante repórter que era à época (2012) correspondente da Folha em Teerã:

“A mulher abordada [pela polícia moral] tinha todos os ‘vícios’ da típica infratora: maquiagem berrante, roupa colorida, casaco que bate na coxa em vez do joelho e, principalmente, um véu cobrindo apenas a parte de trás da cabeça, deixando à mostra cabelos tingidos de loira. A moça, entre seus 25 e 30 anos, pediu aos policiais que ao menos a deixassem pagar o suco consumido".

Ricardo Velez Rodriguez
Ricardo Vélez Rodríguez, que assumirá o Ministério da Educação na gestão Bolsonaro - Reprodução/Facebook

Que perigosa criminosa essa moça, não? A polícia moral estava apenas cumprindo o seu papel de zelar pelo “reto comportamento” da jovem, nos moldes defendidos pelo futuro ministro da Educação.

Quem é que vai definir o que é “reta educação moral"? Um ministro que acha que se deve comemorar o golpe de 1964, aquele mesmo que prendeu, sequestrou, matou, torturou, baniu e exilou milhares de pessoas, censurou a imprensa, fechou o Congresso, cassou mandatos políticos e praticou outras barbaridades?

Os aiatolás, no Irã, fazem a mesmíssima coisa e também acham que estão apenas enquadrando a população no que consideram os bons costumes.

O problema principal para a implantação da tal Escola sem Partido passa exatamente por aí: quem vigia o comportamento dos professores para assegurar que eles não se desviem da “reta educação moral"?

Aliás, primeiro seria preciso haver um razoável consenso na sociedade em torno do que é educação reta.

Para o meu gosto, por exemplo, educação reta é aquela que festeja a democracia, não a ditadura, como pretende o ministro indicado.

Sem esse consenso –quase impossível de alcançar dada a imensa variedade de comportamentos que se encontram habitualmente em sociedades complexas–, só a implantação de uma polícia moral para vigiar professores (e alunos, claro).

Pode até se chamar de conselho de ética, mas não será diferente do fundamentalismo religioso (no caso católico, em vez de muçulmano) que caracteriza o Irã.

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