Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

À espera de nosso Boca/River fracassado

É questão de tempo passarmos pela mesma vergonha

Essa final da Libertadores entre River Plate e Boca Juniors fora da Argentina (fora das Américas, mais amplamente) acabou por unir os argentinos: nos cinco dias que passei na semana passada em Buenos Aires, não consegui conversar com uma única pessoa que não manifestasse vergonha pelos incidentes que levaram a final para longe do país.

Nesta sexta-feira (7), leio em El País —o jornal espanhol que está fazendo uma bela cobertura dos preparativos para o jogo— dois textos de opinião que obrigam a refletir se no Brasil não se está também incubando o ovo da serpente que gerou a transferência da partida para longe da Argentina.

Textos de dois jogadores, um ex-River, outro ex-Boca, que, como tais, sentem o esporte mais do que os que, como eu, o acompanham das arquibancadas ou do sofá.

Por isso, reproduzo e comento trechos de cada texto.

De Diego Latorre, que, diz El País, formou uma dupla atacante mítica com Gabriel Batistuta no Boca entre 1987 e 1992:

“Faz tempo que o futebol argentino deixou de ser desfrutável. Foram nos empurrando para outros lugares. Fomos perdendo coisas que, para nós, tinham muito valor. Primeiro, de dentro para fora. Cada ano se vão os jogadores mais destacados e o jogo se vai empobrecendo".

Preciso dizer que, no Brasil, ocorre faz anos a mesmíssima coisa? Partem os jovens talentos e sobra a mediocridade.

Continua Latorre: “Levamos anos assistindo a irresponsabilidade e a indiferença com que os responsáveis assistem a destruição sistemática do futebol argentino, proibindo as torcidas visitantes ou suportando as ‘barras bravas’ [as organizadas mais violentas] que fazem negócios, não dissimulados mas à vista de todo o mundo".

Preciso dizer que, em São Paulo, os clássicos são disputados com torcida única? No caso da Argentina, as “barras bravas” são, mais que torcidas organizadas, uma máfia que faz negócios em torno de cada partida, inclusive tráfico de drogas.

Não sei como é no Brasil, mas leio Juca Kfouri escrever, semana sim, outra também, sobre a destruição sistemática do futebol brasileiro.

Passo a palavra para Leonel Gancedo, que jogou no River de 1996 a 2000 e ganhou a Libertadores em 1996:

“Queria ver uma grande final e suspeito que será impossível. Sou torcedor do jogo e não das camisetas. Careço de fanatismo. Ganhei sete títulos em cinco anos jogando para o River mas não me agradam nem as bandeiras nem os nacionalismos que se instrumentalizam com o futebol. Nesta final da Libertadores não sonhava com o triunfo de uma equipe e, sim, com poder ver meu país abraçado, desfrutando de um espetáculo esportivo. O futebol só deve servir para divertir-nos".

Não sei se o brasileiro anda se divertindo com o futebol tanto quanto em tempos passados. Mas é óbvio que faz também muito tempo que o país não se abraça. E que, mais cedo que tarde, passemos pela vergonha de ter que transferir um Palmeiras x Corinthians em final de Libertadores para Madri ou, pior, para Cabul.

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