Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Chanceler, Trump não leva ao céu

Ao contrário, abre caminho para inseguranças

O líder chinês Xi Jinping e o presidente americano Donald Trump à frente de suas delegações antes do jantar em Buenos Aires
O líder chinês Xi Jinping e o presidente americano Donald Trump à frente de suas delegações antes do jantar em Buenos Aires - Kevin Lamarque - 1º.dez.18/Reuters

Diz o futuro chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, que “o céu é o limite” para o relacionamento Brasil/Estados Unidos. É coerente com sua visão missionária de política internacional, que inclui considerar Donald Trump como o grande ideólogo capaz de salvar o Ocidente de seu declínio supostamente incontrolável sem Trump (e sem o próprio Araújo, claro).

Seria interessante que o chanceler designado baixasse um pouco à Terra e desse uma olhadinha em fatos que mostram que Trump pode ser tudo o que se quiser, menos o caminho para o céu.

O fato mais recente é o da trégua com a China na guerra comercial que os dois países mantêm e que assusta o resto do planeta.

Breve retrospecto: no sábado à noite (1º), Trump e Xi Jinping, o presidente chinês, jantaram em Buenos Aires e acertaram uma trégua de 90 dias. Por ela, os Estados Unidos não aumentarão as tarifas que impuseram à importações chinesas dos 10% atuais para os 25% previstos para 1º de janeiro.

Seguiu-se festa nos mercados na segunda-feira (3) seguinte. Parecia que Trump, como imagina nosso bravo chanceler, havia aberto as portas dos céus para os negócios.

Ninguém prestou muita atenção às declarações do principal assessor econômico de Trump, Larry Kudlow, que desenhou os contornos reais do que houvera no jantar de sábado, além do “vacío wagyu", que compartilharam, prato tipicamente argentino, carne de vaca com maior quantidade de gordura infiltrada, o que lhe dá mais textura e sabor.

Kudlow deixou claro que não houvera acordo algum, apenas “compromissos” assumidos pessoalmente por Xi Jinping, o que permitia ao assessor da Casa Branca um razoável grau de otimismo. Afinal, antes funcionário chineses haviam acenado com idênticos compromissos sem, no entanto, levá-los à prática.

Essa dose de moderado otimismo foi atravessada por tuítes sucessivos de Trump, em dois dos quais se intitula de “Tariff Man", o homem tarifa, o que é grotesco para um chefe de governo, mas é bem Trump.

Festejou o fato de que os EUA estavam recebendo “bilhões de dólares em tarifas” e fechou com as tradicionais maiúsculas: “MAKE AMERICA RICH AGAIN” (faça a América rica de novo).

Ora, quando se está no meio de uma trégua em uma guerra de tarifas, tudo o que as partes não deveriam fazer é louvar o enriquecimento via tarifas e o unilateralismo nesse enriquecimento.

Se é para se chegar a um acordo definitivo, não é razoável supor que uma das partes se enriqueça e, a outra, perca.

O jornal The New York Times relata que Michael Pillsbury, especialista em China no Hudson Institute e que fala regularmente com funcionários nos EUA e na China, diz que os chineses manifestaram irritação pela maneira como os Estados Unidos estão descrevendo o encontro Trump/Xi.

Pillsbury acrescenta que a China não aceita as acusações de “roubo” de propriedade intelectual —uma das principais queixas americanas— e que não se comprometeu com o prazo de 90 dias da suposta trégua.

Já o britânico Financial Times relata que o risco de que a trégua não se mantenha criou incerteza para companhias que estão à caça de aquisições, pondo em risco uma onda de acordos de aquisição que já dura cinco anos.

“Não há impacto direto nas transações, mas a incerteza sobre a guerra comercial e o potencial para uma escalada criou insegurança. E incerteza, no fim das contas, é o que mata todos os acordos".

Fica, pois, muito claro que os Estados Unidos de Donald Trump não são necessariamente a escada para o céu vista pelo futuro chanceler, em seu zelo missionário. Além disso, fazer a América rica de novo, como quer Trump, pode deixar sobrar apenas migalhas para o Brasil continuar pobre como sempre.

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