Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Descrição de chapéu Fórum Econômico Mundial

Bolsonaro, do Hyde Park a Davos

O 'antiglobalista' rende-se à globalização

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O presidente Jair Bolsonaro fala a plateia de empresários em Davos
O presidente Jair Bolsonaro fala a plateia de empresários em Davos - Fabrice Coffrini/AFP

O tema central do encontro 2019 do Fórum Econômico Mundial é “Globalização 4.0 - Moldando uma arquitetura global na era da quarta revolução industrial".

Se é esse o tema, o que diabos foram fazer em Davos, a sede do encontro, o presidente Jair Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo, missionários do antiglobalismo (como eles preferem chamar a globalização)?

A resposta simples é esta: foram fazer exatamente o que fizeram seus quatro antecessores mais recentes (presidentes e chanceleres, de Fernando Henrique Cardoso a Michel Temer, passando por Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, e seus respectivos ministros do Exterior).

Foram tentar seduzir os grandes barões das corporações, que ditam os rumos da economia no planeta e são, por extensão, os condutores principais da tal de globalização (1.0 ou 4.0, como queiram chamar).

Bolsonaro, aliás, começou seu discurso dizendo que “o Brasil precisa muito de vocês". Beleza. Precisa mesmo, é óbvio. Mas se precisa da plateia de Davos, que é uma espécie de concentrado da globalização, tudo o que Ernesto Araújo escreveu sobre ela (ou contra ela) é tudo besteira, certo?

Por sorte para a imagem do Brasil, o presidente não repetiu nenhuma das idiotices de sua turma. Seria um ridículo atroz. Melhor seria que fizessem uma paradinha em Londres e, naquele canto do Hyde Park reservado para o livre discurso, pregassem suas teses.

Todo mundo que passa por lá nem presta atenção, acostumados que estão com todo o tipo de maluquices.

Em Davos, os CEOs (executivos-chefes) tampouco prestariam atenção. Não estão interessados em acabar com a globalização. Mas prestaram atenção, sim, a um discurso que não retrocede à Idade Média e, ao contrário, toca a música que os ouvidos do empresariado adoram ouvir: privatizações, redução do papel do Estado, equilíbrio das contas públicas.

Foi esse o discurso, palavras mais, palavras menos, que fizeram todos os antecessores de Bolsonaro que passaram por Davos. Assim o fez até Luiz Inácio Lula da Silva, que o bolsonarismo rotula como socialista ou até comunista (o que é tão ridículo quando o discurso antiglobalização).

Depois do discurso de Lula na sessão plenária (em 2003), saí bem atrás de Antonio Palocci, então ministro da Fazenda, que conversava com Caio Koch-Weser, nascido no Brasil e, à época, secretário de Estado para as Finanças da Alemanha e, depois, vice-presidente do Deutsche Bank.

Palocci perguntou se Lula tocara em todos os pontos que Koch-Weser achava relevantes. O teutobrasileiro disse que sim —o que só demonstra que havia uma sintonia perfeita entre um governo que parecia de esquerda e a fina flor do capitalismo global.

Dizer, pois, que o Brasil se livrou da esquerda, como Bolsonaro o fez, é um discurso engana-trouxa.

Davos não se preocupa mais, desde o fim do comunismo, com esquerda ou direita. Preocupa-se com o ambiente de negócios, item em que Bolsonaro prometeu colocar o Brasil entre os 50 mais propícios.

Foi, pois, o arroz-com-feijão, o trivial. Mencionou até sintonia com o mundo na busca da redução do gás carbônico e na preservação do meio ambiente. O contrário de seus aiatolás que andaram ameaçando retirar o Brasil do Acordo de Paris, o mais abrangente diploma até agora estabelecido para evitar uma catástrofe ambiental.

Se Bolsonaro continuar a tocar a música que delineou em Davos, a plateia continuará feliz —o que não quer dizer nada. Os governos de FHC, Lula, Dilma e Temer nem melhoraram nem pioraram porque Davos os aplaudiu.

Agora, se o presidente insistir no bordão “Brasil acima de tudo", perderá pontos. O Fórum de Davos divulgou neste sábado (20) pesquisa global em que “uma clara maioria de pessoas em todas as regiões do mundo disseram que acreditam que a cooperação entre nações é extremamente ou, ao menos, muito importante", segundo o relatório sobre o levantamento.

Pregar, pois, contra a globalização seria mais para o Hyde Park do que para Davos. Bolsonaro escapou dessa armadilha pelo menos nesta terça-feira (22).

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