Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Plantaram brexit, colhem desprezo

Quando o Reino Unido parece Macondo

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Kenneth Clarke, decano do Parlamento britânico - Henry Nicholls - 11.dez.2018/Reuters

Kenneth Clark é o decano do Parlamento britânico, no qual atua há 49 anos. Tem, portanto, vivência e autoridade para soltar uma frase contundente como a que se segue: “Creio que deveríamos estar conscientes de que a cidadania observa nestes momentos seu sistema político com algo 
muito próximo ao desprezo”.

Vale para o Reino Unido, mas vale também para incontáveis países mundo afora, nestes momentos em que há um abismo entre representantes e representados. Fiquemos, por enquanto, no Reino Unido, até porque foram as votações de terça sobre o brexit que provocaram o desabafo de Clark.

Dá para entender melhor ainda o desabafo ao ler o relato sobre idêntico evento feito por Robert Shrimsley para o Financial Times: “Se qualquer prova adicional da esclerose do Parlamento britânico fosse necessária, a maratônica rodada de votações da terça-feira entregou-a devidamente [a prova da esclerose]. Os parlamentares votaram simultaneamente para declarar sua oposição a um brexit sem acordo [com a União Europeia], ao tempo em que negavam eles próprios as ferramentas para evitá-lo”.

Fecha escrevendo: “Eles, então, apoiaram o acordo da primeira-ministra desde que ela consiga, em oito semanas, mudanças que gastou dois anos e três ministros do brexit sem conseguir assegurar”. 

Parece o Parlamento de Macondo, mas, caramba, é Westminster, a “Mãe dos Parlamentos”. Se esse vetusto e outrora modelar Parlamento merece desprezo, imagine então o que dizer de todos os seus, digamos, “filhos”?

O beco sem saída em que se meteram os britânicos não é culpa dos eleitores que votaram, sim, pelo divórcio com a União Europeia. Mas não foram devidamente avisados das sinistras consequências.

Só para ficar na área comercial, Kimberly Ann Elliott (do Instituto para Política Econômica Internacional da Universidade George Washington) mostrou, em artigo recente, que quase metade das exportações de mercadorias e serviços britânicos em 2017 foram para os parceiros da UE.

Para que diabos você vai desprezar um bloco que compra tantas coisas “made in Britain”? Um dos argumentos dos brexiters foi o de que sair da UE facilitaria um acordão com os EUA, o segundo maior mercado para o Reino Unido. OK, mas tem um pequeno detalhe: os EUA compram apenas 13% dos produtos/serviços britânicos. A ideia, portanto, em vez de trocar seis por meia dúzia seria trocar seis por um. Belo negócio, hein?

E não para por aí. Fora grandes grifes que ameaçam mudar da ilha para o continente (ou mais longe), há perspectivas de grande simbolismo para quem pretendia, com o divórcio, fazer a Grã Bretanha grande de novo: James Dyson, multimilionário conhecido como “o rei dos aspiradores” e que sempre defendeu o brexit, vai mudar a sede da sua empresa da Inglaterra para Cingapura.

Já a P&0, empresa de navegação, anuncia que registrará seus barcos em Chipre. A companhia faz a ligação do Reino Unido com a Europa desde 1837. O gigante aeronáutico europeu Airbus ameaça parar de fabricar nas ilhas britânicas as asas de seus aviões. Emprega no Reino Unido 14 mil pessoas. É ou não para desprezar o pessoal que inventou esse delírio sem sentido?

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