Estou vendo a série mexicana “Ingobernable". Assustadora. Narra o conluio entre o narcotráfico e os mais altos escalões tanto do Estado como das Forças Armadas e do empresariado graúdo.
Uma podridão tamanha que você acaba sendo levado a torcer pela turma do Tepito, bairro marginalizado da Cidade do México, em que vive uma classe média baixa em meio a negócios escusos, à pequena criminalidade e ao contrabando.
Aos poucos, vai se intrometendo na minha cabeça a incômoda pergunta: o que estou vendo é mesmo ficção ou um documentário sobre a realidade do crime, da corrupção e da associação de ambos com o poder, no seu mais alto escalão?
Esta segunda hipótese fica reforçada pelo fato de que a atriz principal chama-se Kate del Castillo, presença constante na TV e no cinema do México, cuja fama só aumentou quando ela intermediou um encontro entre o ator americano Sean Penn e o “capo” do tráfico Joaquín “El Chapo” Guzmán, em outubro de 2015.
El Chapo está preso e seu julgamento nos Estados Unidos corre por estes dias.
E foram declarações nesse julgamento que cimentaram minhas suspeitas sobre a ficção de “Ingobernable” ser mais documentário que ficção propriamente dita.
Acontece que, na terça-feira (15), uma das testemunhas declarou que Enrique Peña Nieto, presidente do México até dezembro último, aceitara um suborno de US$ 100 milhões (R$ 376 milhões) de El Chapo.
A testemunha é do ramo: chama-se Alex Cifuentes Villa, narcotraficante colombiano que trabalhou em estreita colaboração com seu colega mexicano nesse ramo de negócios.
Poucos meses antes, o advogado de El Chapo, Jeffrey Lichtman, dissera ao tribunal que quem deveria estar preso era Ismael “El Mayo” Zambada, outro grande chefe do narcotráfico. Lichtman disse ao tribunal que “El Mayo” corrompeu com milhões de dólares não um mas dois presidentes do México.
Os nomes não foram revelados porque os procuradores de Nova York, onde corre o processo, pediram ao júri para ignorar essas acusações.
Peña Nieto negou as acusações, como é óbvio. Nenhuma celebridade, quando acusada, admite culpa, seja de fato inocente ou seja mesmo culpada.
É justo conceder a Peña Nieto o direito elementar à presunção de inocência.
Mas é inevitável suspeitar que a série “Ingobernable” tem ao menos algum contato com a realidade. E seria ingênuo acreditar que é apenas no México que se dá essa nefanda promiscuidade entre os poderes do Estado e o crime organizado.
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