Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Venezuela testa saída no dia 23

Só uma explosão à tunisiana pode romper o impasse

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Está muito bem que o governo Bolsonaro dê apoio aos líderes oposicionistas venezuelanos. Quem se opõe a uma ditadura merece respeito. Mais ainda quem se opõe a um regime que, além de ditatorial, é um fracasso sem precedentes.

A dimensão da catástrofe aparece com nitidez em texto para Nueva Sociedad, revista da social-democracia alemã, de um economista de esquerda, tão de esquerda que é membro da Associação Latino-Americana de Economia Marxista.

Escreve Manuel Sutherland: “As milhares de bombas e o genocídio perpetrado pelos nazistas na Polônia causaram uma queda de 44% do PIB entre 1939/43. A queda do PIB na Venezuela ronda 50% nos últimos cinco anos, um recorde absoluto para o continente, uma tragédia sem paralelo”.

É correto, portanto, apoiar quem se diz disposto a livrar a Venezuela do martírio. Pena que o apoio tenda a ser inócuo, pela simples e boa razão de que os políticos com os quais se reuniu na quinta-feira 
(17) o chanceler brasileiro Ernesto Araújo não têm o respaldo popular necessário para fazer pressão efetiva e eficaz sobre o governo de Nicolás Maduro.

 

É a opinião de José Miguel Vivanco, da Human Rights Watch, corroborada de resto pelo estudante Roderick Navarro, do Movimento Rumbo Libertad, em artigo para esta Folha publicado na quarta-feira (16): “Hoje não existe ninguém que seja da verdadeira oposição dentro do país, pois, se houvesse, certamente já estaria nas garras da ditadura”, escreveu ele.

Navarro é da oposição pela direita; pela esquerda, concorda Sutherland, ao escrever que “a oposição abandonou por completo a tarefa de organizar as bases sociais [nas zonas populares], que, desgraçadamente, vão com quem tem os recursos à mão para ‘resolver’ problemas cotidianos”.

“Resolver” no caso é a importação de um termo cubano para designar o jeitinho com que a população se vira para contornar as carências diárias, em Cuba como na Venezuela.

Explica Sutherland: “O governo atende aos setores dos bairros [marginalizados] com bolsas de comida (por meios dos chamados Comitês Locais de Abastecimento e Produção, os Clap), dinheiro vivo em suas contas (Bônus da Pátria), serviços de eletricidade, água, limpeza, transporte público amplamente subsidiado, gasolina quase gratuita. Para não falar de suas políticas muito permissivas com a delinquência nos bairros, o tráfico de drogas, o comércio de bens subsidiados e o contrabando”.

Significa o seguinte: enquanto a oposição não conseguir se conectar com esses setores populares (a maioria da população, de resto) para convencê-los de que pode lhes dar mais do que esse precaríssimo equilíbrio, a maioria prefere ou fugir do país ou “resolver” como for possível.

É por isso que Vivanco, da Human Rights Watch, supõe que a saída para a Venezuela se daria não necessariamente pela mão dos políticos opositores, mas por uma explosão social, estilo Tunísia. 

Nesse primeiro país a mergulhar na Primavera Árabe, em dezembro de 2010, foi a imolação pelo fogo de um vendedor ambulante que acendeu a chama do protesto e acabou levando ao fim da ditadura.

Na Venezuela, o protesto convocado pela oposição para a próxima quarta-feira (23) pode servir de termômetro para a viabilidade dessa saída: dependendo de suas dimensões —e, claro, da reação do governo— dará a medida do que pode vir em seguida.

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