Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Murcha a penúltima pétala rosa

Cairá El Salvador e só sobrará Evo Morales

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Se as pesquisas estiverem certas, morrerá na praia eleitoral de El Salvador neste domingo (3) a penúltima manifestação da chamada onda rosa que sacudiu a América Latina no início deste século.

Tudo indica que Hugo Martínez, o candidato da FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional), a ex-guerrilha, no poder há dez anos, não conseguirá nem sequer chegar ao segundo turno.

Apoiador do candidato esquerdista Hugo Martínez, da FMLN, do lado de fora de local de votação em San Salvador
Apoiador do candidato esquerdista Hugo Martínez, da FMLN, do lado de fora de local de votação em San Salvador - Jose Cabezas/Reuters

Sempre segundo as pesquisas, ou ganha no primeiro turno Nayib Bukele, de difícil rotulação, ou haverá um segundo turno entre ele e Carlos Calleja, da Arena (Aliança Republicana Nacionalista), o tradicional partido da direita reacionária.

A perspectiva de derrota da esquerda em El Salvador se segue a idênticos resultados no Brasil, Argentina e Chile e ao rompimento do atual presidente equatoriano, Lenín Moreno, com seu padrinho Rafael Correa, outra das cabeças coroadas da onda rosa.

Resta apenas o boliviano Evo Morales, a ser testado em eleições presidenciais em outubro. É sintomático do arrefecimento da onda esquerdista que Morales tenha sido obrigado a recorrer a uma gambiarra legal para candidatar-se de novo, derrotado que foi em plebiscito que rejeitou a hipótese de recandidatura.

Não me venha dizer, por favor, que restam também Nicolás Maduro (Venezuela) e Daniel Ortega (Nicarágua). Estes não são de esquerda nem de direita nem de nada civilizado. São ditadores da velha estirpe caribenha dos Somoza, dos Trujillo, dos Pérez Jiménez.

Tampouco cabe introduzir no balanço o mexicano Andrés Manuel López Obrador, que nem é da onda do início do século nem definiu claramente seu perfil, posto que está no governo faz apenas um mês.

Voltemos pois a El Salvador. Por que está caindo a FMLN? Se você prefere uma resposta curta, é esta: corrupção em primeiro lugar. Mas se você quer mais detalhes, ofereço o comentário que fez à Folha Arysbell Arismendi, excelente jornalista da magnífica publicação digital El Faro:

“A FMLN tem um ex-presidente [Maurício Funes, que governou de 2009 a 2014] asilado na Nicarágua depois de fugir de acusações judiciais de ter desviado US$ 350 milhões (R$ 1,27 bilhão) do Estado para benefício próprio e de amigos empresários”.

“À FMLN, integrada pelos grupos guerrilheiros do conflito armado [1980-1991] se lhe recrimina, ademais, ter-se distanciado das comunidades e não ter logrado melhorias sociais tão importantes como incrementar o aceso à educação ou à saúde."

“Também se lhe recrimina a radicalização da política repressiva para combater as ‘pandillas’ [as quadrilhas criminosas que, em El Salvador, são chamadas “maras”]. Militarizou os territórios, e as forças de segurança do Estado tem vários processos judiciais abertos por execuções extrajudiciais. A política repressiva afetou não somente as ‘pandillas’, mas também as comunidades que elas controlam".

(Observação minha: impressiona a semelhança entre o que fez um governo supostamente de esquerda em El Salvador e o que fazem governos de outro sinal ideológico no Rio de Janeiro.)

Arysbell completa seu relato com a lembrança de que Maurício Funes, o primeiro presidente da FMLN, surgira como grande esperança: “Recebeu o maior número de votos que um mandatário teve na história recente de El Salvador”.

Funes tinha ligação próxima com o PT brasileiro, ainda mais que sua mulher, Vanda Pignatto, brasileira, foi militante do partido.

Agora, no entanto, prossegue Arysbell, “quando a gente fala com votantes tradicionais da Frente, o que dizem é que se sentem traídos e que a Frente foi pior que a Arena".

A Arena não só é tão corrupta quanto a FMLN (também tem um ex-presidente, Antonio Saca, na cadeia, réu confesso de desvio de fundos) como teve forte ligação com grupos paramilitares que atuaram com o Exército na matança indiscriminada promovida nos anos de chumbo.

Com a previsível derrota da Frente, Arysbell vê duas possibilidades para esse grupo esquerdista: “Ou reflete e decide voltar a seu projeto original (o que acho difícil) ou, com o tempo, terminará desaparecendo do espectro político".

Para completar esse cenário de desalento, a eventual vitória de Nayib Bukele, favorito graças ao desencanto com a FMLN e com a Arena, não reintroduz ânimo a um país desalentado: Nayib é, termina a jornalista de El Faro, “um outsider do qual não se tem clareza sobre ideologia, modelo econômico ou projeto de país".

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