Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Brasil e Estados Unidos, se melhorar, estraga

Nunca antes na história os dois países foram tão amigos

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O presidente Jair Bolsonaro embarca neste domingo (17) para Washington, para reaproximar o Brasil dos 
Estados Unidos. 

De acordo com Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo, o Brasil do PT havia se afastado de Washington por motivos ideológicos.

Bobagem. Pura fake news.

Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton, então presidentes do Brasil e dos EUA, em 2000, durante conferência internacional em Berlim
Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton, então presidentes do Brasil e dos EUA, em 2000, durante conferência internacional em Berlim - Stephen Jaffe - 3.jun.2000/AFP

Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, as relações entre Brasil e EUA estiveram em ponto ótimo, provavelmente o melhor da história. Assim continuaram com Luiz Inácio Lula da Silva.

Só sofreram um abalo com Dilma Rousseff, mas por culpa dos americanos (a espionagem nos telefones da então presidente), não por qualquer tipo de ranço ideológico do governo de turno.

Não é uma análise por ouvir falar. Fui testemunha direta de um punhado de cenas explícitas de engajamento muito amistoso de parte a parte.

Relembro uma, a mais emblemática delas, por envolver o sensível tema da proliferação nuclear.

Antes de uma visita de Lula a Teerã, em 2010, o presidente Barack Obama enviou carta a seu colega brasileiro indicando os pontos que deveriam constar de qualquer conversa com os iranianos.

A Folha obteve a carta depois e pôde comprovar que o acordo com o Irã (ao qual se somou a Turquia) seguia ponto a ponto o que Obama queria.

Inclusive no item crucial, de acordo com o presidente americano: o envio de 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para enriquecimento no exterior até o nível que só permitiria seu aproveitamento para finalidades pacíficas, nunca para a bomba.

Você acha, honestamente, que os EUA confiariam a um governante ao qual tivessem qualquer tipo de restrição, mais ainda ideológica, uma negociação nesse capítulo especialmente sensível?

O relacionamento entre os dois países chegou a um nível tão bom que, uma vez, o segundo homem da embaixada americana na época veio a São Paulo para uma conversa informal com dois ou três jornalistas.

Comentei com ele que, do ponto de vista do jornalismo, as relações Brasil/EUA eram “boring” porque não havia nenhum conflito, nenhum “fla-flu” que é naturalmente matéria-prima mais atraente para o jornalismo.

Ele concordou e argumentou que a função dele, como diplomata, era precisamente essa —a de normalizar o relacionamento, para frustração dos jornalistas.

É claro que todo relacionamento diplomático pode ser melhorado, mas, no nível que havia atingido, há mais margem para estragar do que para aperfeiçoar.

Até porque, no item comércio, o mais apetitoso hoje em dia na diplomacia, Donald Trump já disse, publicamente, que “o Brasil está entre os países mais duros do mundo, talvez o mais duro”.

É lógico supor que, se e quando se falar de acordos comerciais, Trump vai exigir que o Brasil amoleça.

Se Bolsonaro, ansioso por agradar seu ídolo, ceder e dependendo do que e de onde ceder, desagradará a parte de seus apoiadores no empresariado.

Outra ala do bolsonarismo, a dos militares, deve ter em relação aos Estados Unidos a mesma reserva que ouvi, em 1977, do general Hugo Abreu (1916-1979), então chefe do Gabinete Militar do governo Ernesto Geisel. 

O general me disse que a pressão americana contra um acordo nuclear entre o Brasil e a Alemanha se devia ao medo de Washington da ascensão de “um Estados Unidos do Sul”.

A ideia de “America First” que Trump abraça não combina, pois, com o “Brazil First” que frequentava a cabeça dos militares. Frequenta ainda?

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