Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Para quando o volta, Temer?

Anarquia não pode desmoralizar a democracia

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São Paulo

Em 1973, os militares argentinos devolveram o poder aos civis, depois de uma ditadura (mais uma) fracassada (outra vez).

No dia da posse do presidente então eleito (Héctor Cámpora), o chefe da Junta Militar, o general Alejandro Agustín Lanusse, foi cuspido em praça pública (literalmente).

Teve que fazer de helicóptero o curto trajeto entre a Casa Rosada, sede do governo, e o Congresso, na outra ponta da avenida de Mayo.

O presidente Jair Bolsonaro concede entrevista no Palácio do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro concede entrevista no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 12.mar.19/Folhapress

Dois anos e mais dois presidentes depois (Juan Domingo Perón e sua viúva e vice, Isabelita Perón), os muros de Buenos Aires amanheceram com a irônica pichação: “Volta, Lanusse, te perdoamos".

Ao acompanhar, bestificado, o noticiário destes 86 dias de Jair Bolsonaro, as pichações de Buenos Aires me vêm à memória e fico imaginando quando aparecerá nos muros de São Paulo ou, mais provavelmente, do Rio de Janeiro algum “volta, Temer, te perdoamos".

O governo Bolsonaro é tão anárquico e, até aqui, tão ineficiente quanto foi o de Isabelita Perón. As circunstâncias, felizmente, são diferentes. Na Argentina, havia uma guerra de fato entre facções peronistas e havia uma guerrilha ativa, tentando derrubar não só o governo mas também o regime.

Aqui, a guerra entre facções é apenas verbal, e a arma de destruição em massa é o Twitter.

Ainda assim, nesta Folha já aparecem as primeiras pichações a lembrar as que vi em Buenos Aires. E feitas por colunistas impecáveis. Começou na terça-feira (26) com Hélio Schwartsman perguntando se Bolsonaro vai terminar o governo.

No dia seguinte, Vinicius Torres Freire resumia magistralmente, no título e no subtítulo de sua coluna, todo o noticiário que me deixa bestificado: “Não há governo" era o título; depois vinha “rebelião na Câmara empareda governo, reformas naufragam, há anarquia em ministérios".

Não é preciso, pois, recuperar os vários momentos que caracterizam a anarquia, que, de resto, vai além dos ministérios. Atinge a Presidência, os filhos do presidente, o Congresso, o diabo.

Não deveria surpreender ninguém. Afinal, o, digamos, orientador ideológico do presidente, de seus filhos e de pelo menos dois ministros é uma fraude chamada Olavo de Carvalho.

Uma piada que virou guru, como escreveu antes mesmo da posse esse excelente colunista que é Bernardo Mello Franco, hoje em O Globo.

Um governo orientado por uma piada só poderia virar uma piada. O Brasil de Jair Bolsonaro é um “deserto de ideias” para um de seus apoiadores, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que pode ser acusado de tudo menos de “marxista cultural", uma das fraudes inventadas pelo guru do governo.

Aliás, Olavo de Carvalho, chamado “Bruxo da Virgínia” (pelo local americano em que mora), traz outra memória dos tempos anárquicos da Argentina: o governo de Isabelita Perón tinha também “El Brujo”, José López Rega, criador da “Triple A” (a Aliança Anticomunista Argentina), que caçava esquerdistas e adversários em geral e serviu de inspiração para o morticínio nefando praticado pelos militares durante a ditadura do período 1976/83.

Os militares argentinos de fato voltaram ao poder, como sugeriam os muros pichados de Buenos Aires. Por isso, é conveniente e profilático, desde já, ante a anarquia, reproduzir a frase que fecha o editorial desta Folha de quarta-feira (27): “Não há caminho para o Brasil fora da democracia e do Estado de Direito".

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