Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

A extinção dos dinossauros (políticos)

Sudão, Argélia e outros sinais de primavera africana

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São Paulo

A defenestração de Omar al-Bashir, o nefando ditador do Sudão, provocou um grito de alegria em Alex Vines, pesquisador da Chatam House, respeitado centro britânico de estudos: “É a extinção dos dinossauros", disse a The Economist.

É cedo para ir tão longe, mas é alvissareiro o fato de que a deposição de Bashir (75 anos) ocorra apenas dias depois do argelino Abdelaziz Buteflika (82 anos), outro dinossauro político africano, ter sido finalmente afastado.

Bashir estava no poder desde 1989, um tirano de práticas tão nefandas que foi indiciado pela Corte Internacional de Justiça, como responsável pelos massacres praticados em Darfur, região que se tornou sinônimo de horror.

Manifestante sudanês durante protesto contra as Forças Armadas do Sudão, que substituirá o ditador deposto, Omar al-Bashir
Manifestante sudanês durante protesto contra as Forças Armadas do Sudão, que substituirá o ditador deposto, Omar al-Bashir - Reuters

Já Buteflika tinha dez anos menos de ditadura, 20 anos portanto comandando a Argélia. O grito de Alex Vines leva em conta outros longevos ditadores afastados, casos do angolano José Eduardo dos Santos e do macróbio Robert Mugabe, no Zimbábue.

O que torna mais interessante a queda tanto de Buteflika como de Bashir é que ambas foram provocadas por um levante espontâneo da sociedade, sem que partidos políticos as tenham organizado. No caso específico do Sudão, as mulheres tiveram papel essencial, o que é mais relevante, em se tratando de um país de maioria muçulmana.

Analisa Andrew Edward Tchie, do King's College de Londres para The Conversation, uma confederação de sítios de informação: “Os manifestantes são predominantemente jovens profissionais que foram diretamente afetados pelas políticas de islamização e arabização [de Bashir]. Tais políticas foram particularmente duras contra as liberdades e direitos das mulheres, o que explica porque jovens sudanesas estão no centro da revolta".

A saída desses dois dinossauros não significa que tenha chegado a democracia. Tanto na Argélia como no Sudão, os militares estão comandando a transição, embora, na Argélia, haja a promessa de eleições dentro de 90 dias.

Mais promissora, do ponto de vista da democracia, é a situação em três outros países africanos. Jon Temin, da Freedom House, que monitora avanços e retrocessos da democracia no mundo, postou que, dos cinco países que mais avançaram rumo à democracia em 2018, três eram africanos, Angola, Etiópia e Gâmbia.

Já a Universidade sueca de Gotemburgo, no seu relatório anual sobre a democracia, apontou em 2018, além de Gâmbia, também Burkina Faso como dois casos de “significativa democratização” nos dois anos mais recentes. Em Burkina Faso, caiu Blaise Compaoré, no poder desde 1987, e eleições competitivas e multipartidárias foram realizadas em 2015.

Em Gâmbia, Yahya Jammeh, 23 anos de ditadura, perdeu as eleições de 2016 e foi forçado a deixar o poder.

Adama Barrow, o ganhador do pleito, estabeleceu de saída uma Comissão da Verdade e de Reconciliação para investigar os abusos e a corrupção de Jammeh. É uma iniciativa típica de governos que substituem os dinossauros tiranos.

Na Etiópia, Abiy Ahmed também chegou ao governo impulsionado por uma revolta popular com a promessa de democracia e reformas, tornando-se o líder mais observado da África, segundo Somini Sengupta, do The New York Times.

Tudo somado, tem-se que a África, caracterizada pelas ditaduras, vê o início de uma primavera democrática, enquanto em países de democracia antigas há um inverno caracterizado pela ascensão de contra-liberais.

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