Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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A China quer tocar seu coração

Ofensiva de Pequim alcança também a mídia

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São Paulo

A nova saraivada (de tarifas, no caso) de Donald Trump contra a China provocou análise de Jamil Anderlini, correspondente para a Ásia do Financial Times, na qual diz que há um consenso bipartidário, nos Estados Unidos, de que “uma China autoritária e expansionista representa uma ameaça existencial à ordem mundial”.

Parece exagerado. A China não aparenta pretender destruir a ordem mundial e, sim, assumir o papel de copiloto de uma ordem mundial redesenhada, ao lado dos Estados Unidos e de quem mais fizer méritos para subir ao cockpit.

O veículo mais saliente de tal pretensão é a BRI (Belt and Road Initiative), também conhecida como Nova Rota da Seda.

O presidente da China, Xi Jinping, à esq., e o presidente americano, Donald Trump, durante cerimônia em Beijing
O presidente da China, Xi Jinping, à esq., e o presidente americano, Donald Trump, durante cerimônia em Beijing - Nicolas Asfouri - 8.nov.17/AFP

Trata-se de iniciativa do governo chinês que o Council on Foreign Relations considera o “mais ambicioso pacote de projetos de infraestrutura jamais concebido”. Segundo os chineses, a BRI já chega a 4,4 bilhões de pessoas de 150 países e, no total, prevê investimentos na Ásia, Europa e África de mais de US$ 1 trilhão. Está avançando também na América Latina.

Mas a BRI vai bem além de infraestrutura: Le Monde informou, na quinta-feira (9), que o presidente Xi Jinping lançou a Belt and Road News Network ou Rede de Notícias da BRI. Objetivo: “Contar as histórias sobre a BRI de uma maneira que possa modelar uma opinião pública sadia e ajudar que tal iniciativa 
aporte resultados substanciais às pessoas que vivem nos países abrangidos pela BRI”.

“Um novo instrumento de propaganda”, resume, adequadamente, o correspondente do Monde na China, Frédéric Lemaître.

Que é disso que se trata, vê-se por artigo do paquistanês Sarmad Ali, presidente do Grupo de Mídia Jang: para ele, os países que participam da BRI necessitam uma plataforma comum porque “a mídia ocidental tem uma percepção negativa da BRI e criam dúvidas sobre a eficácia dos projetos que levam esse rótulo”.

Há, de fato, dúvidas, mas a mídia só faz reportá-las, e não criá-las. A grande dúvida é chamada de “armadilha da dívida”: significa que os empréstimos contraídos por determinados países para fazer as obras previstas na BRI criam um endividamento eventualmente impossível de pagar.

Para constatar que a BRI da mídia é parte da pretensão chinesa de disputar a liderança global com os Estados Unidos basta ler Li Congjun, ex-responsável pela agência chinesa Xinhua e membro do Comitê Central do Partido Comunista Chinês: “É necessário criar uma nova ordem mundial da mídia. Se não, o lugar será ocupado por outros, o que representará um desafio ao nosso papel dominante na condução da opinião pública”.

A China não fica apenas na teoria: multiplica programas de formação para jornalistas, a exemplo do que fazem países ocidentais, especialmente os Estados Unidos. Segundo Le Monde, 3.400 repórteres de 146 países já participaram de um dos programas (o mais curto é de 26 dias; 
o mais longo é de 10 meses).

Cabe lembrar que, segundo Repórteres sem Fronteiras, a China ocupa o 177º posto entre 180 países em matéria de liberdade de imprensa.

Também não custa lembrar que, enquanto o governo Bolsonaro fica caçando fantasmas (o comunismo que já morreu) ou inventando outros (o globalismo, o marxismo cultural), a China avança, e o Itamaraty não é capaz de definir uma política para lidar com o fenômeno.

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