Dias atrás, o presidente Jair Bolsonaro disse, comentando a crise venezuelana, que, quando se acaba a saliva, restam os canhões. A notícia desta semana, em relação sempre à Venezuela, é que a saliva não acabou; o que acabou, na verdade, foi a expectativa de que se acionassem os canhões.
Mais relevante que o diálogo iniciado na semana passada em Oslo entre representantes de Nicolás Maduro e da oposição é a disseminada sensação entre os opositores de que passou o momento de tentar derrubar Maduro ou pelas armas ou pela força da mobilização popular.
Leia-se, por exemplo, o que tuitou Luis Vicente León, excelente analista, responsável pelo centro de pesquisas Datanalisis:
“Não é verdade que estamos próximos de uma intervenção militar estrangeira nem que a Força Armada se fraturará sem acordos políticos prévios. Então, não se trata de se te agrada ou não negociar o se confias ou não no governo e na oposição. Trata-se de que não há mais remédio".
Simples assim.
Leia-se também outro analista de qualidade, Moisés Naïm, que, em 2014 e 2015, figurou entre os 100 mais influentes pensadores globais no ranking elaborado pelo instituto suíço Gottlieb Duttweiler. Naïm foi ministro no governo de Carlos Andrés Pérez e atua no Centro Carnegie para a Paz Internacional.
Na sua coluna dominical para El País da Espanha, Naïm seguiu mais ou menos a linha fatalista expressa por León: “Supor que Maduro e os seus possam participar em um diálogo sem mentir e sem tentar manipulá-lo pode ser ingênuo. Mas, talvez, mais ingênuo ainda é supor que, na Venezuela, é possível evitar o diálogo político indefinidamente".
Afastar a hipótese de intervenção militar é ótimo. Seria uma tal insanidade que nunca esteve de fato entre as opções, por mais que Donald Trump e Juan Guaidó a tenham mantido retoricamente como uma possibilidade.
O problema com o diálogo é saber se vai ser como todos os anteriores, os quais “terminaram fortalecendo o governo e debilitando a oposição", como diz Naïm.
É impossível antever o desfecho, como é óbvio. As conversas em Oslo são preliminares. Não se entrou, portanto, no núcleo duro do problema, que é devolver a Venezuela ao jogo democrático limpo e justo.
Mas o diálogo em si mesmo já é algo animador, como diz Leiv Marsteintredet (Universidade de Bergen, Noruega): “É pouco realista esperar resultados rápido. Mas que as duas partes queiram conversar é uma mudança recente que pode justificar um otimismo moderado".
Para reforçar o otimismo dos e das Pollyannas de plantão, um lembrete: a Noruega abrigou conversações entre israelenses e palestinos que produziram o mais abrangente projeto de acordo de paz (se não funcionou depois, não é culpa dos mediadores); abrigou também pedaços da negociação entre o governo da Colômbia e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Pôs fim à uma guerra de 50 anos.
Para pôr um pouco de água no otimismo: a Venezuela não pode esperar 50 anos, nem mesmo 50 meses. Será dissolvida se não houver uma normalização relativamente rápida.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.