Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

O declínio atinge até o futebol

Quando Sadio Mané dribla Mané Garrincha

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São Paulo

Alguns velhos comunistas costumavam resmungar, quando o comunismo ainda respirava, que o futebol era o ópio do povo (a igreja também, mas aí já é outra história). Ópio porque distraía o povo, no caso o brasileiro, do seu dever primordial, que seria o de fazer a revolução.

Pura bobagem, mais uma dessa turma. Na verdade, até mais ou menos o início do século 21, o futebol era apenas uma bendita distração. Nada que desviasse o brasileiro da revolução pela simples e definitiva razão de que revolução não está no DNA da brava gente.

O futebol servia, sim, para demonstrar que, em pelo menos um item da atividade humana, tínhamos o nível de excelência, que nos falta em quase tudo o mais. Não o digo por patrioteirismo, que é o único defeito que não tenho. É pelos títulos: o Brasil é o país que tem o maior número de Copas do Mundo conquistadas e é o único que disputou todas as fases finais das copas.

O triste é constatar que até essa bem-vinda distração "flopou" nos últimos muitos anos. A decadência ficou exposta em toda a sua crueldade na comparação entre as semifinais da Liga dos Campeões da Europa e da Liga Europa e os jogos da Libertadores de América.

O que se viu na Europa foi um esporte delicioso, empolgante, emocionante que não tem o mais leve parentesco com o que se pratica por aqui.

O patriota de plantão pode até sacar do coldre a observação de que as semifinais dos dois torneios europeus foram eventos excepcionais, seja pela qualidade das partidas, seja pelos resultados que pareciam impossíveis.

É verdade, mas tente ver jogos das ligas europeias (pode ser a alemã, a inglesa, a espanhola) envolvendo não só os grandes, mas os times médios e até alguns pequenos, ameaçados de rebaixamento. Têm mais graça do que as partidas dos líderes do Brasileirão. Exemplo: o Rayo Vallecano, já rebaixado na Espanha, exibiu futebol mais agradável contra o Real Madrid (ganhou de 1 a 0) do que o Palmeiras, campeão brasileiro, contra o San Lorenzo.

Torna-se, portanto, natural a amargura que impregna colunas dos craques desta Folha, Tostão, Paulo Vinicius Coelho e Juca Kfouri.

É óbvio que o dinheiro explica a decadência: o futebol é hoje uma indústria bilionária. E a indústria brasileira não pode mesmo competir com os clubes europeus (e agora, com os chineses). Mas reportagem do jornal espanhol El País desta sexta-feira (9) mostra que dinheiro nem sempre explica tudo nem compra necessariamente títulos e beleza no campo.

Copio: “Não triunfaram [na Liga dos Campeões] os clubes que mais dinheiro gastaram em comprar jogadores. Nem se impuseram os poderes tradicionais que dominaram o torneio nas últimas décadas, abatidos estrepitosamente Real Madrid, Barça, Bayern e Juventus, quatro gigantes".

Tampouco estarão presentes na final as maiores estrelas (e maiores salários) do futebol: “Messi, Mbappé, Neymar, Cristiano, Hazard e Pogba verão a final pela televisão".

Os clubes milionários ausentes da final gastaram, entre 2013 e 2018, de € 220 milhões (R$ 974 milhões) a € 800 milhões (R$ 3,5 bilhões).

Claro que nenhum clube brasileiro pode concorrer com essas cifras. Mas, se o Ajax pode deslumbrar sem entrar nessa ciranda maluca, será que não é possível organizar as coisas por aqui para que o velho ópio do povo volte a dar um barato?

Do contrário, daqui a pouco, a garotada vai achar que a alegria do povo é o Sadio Mané (Liverpool) e não o eterno Mané Garrincha.

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