Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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O Irã é, sim, assunto para o Brasil

Mas para entender, e não isolar o país persa

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Se sobrou alguma vida inteligente no governo Bolsonaro, Israel ofereceu a ele uma bela oportunidade para sair das alucinações e da consequente paralisia. Pedir que o Brasil entre no complicado jogo do contencioso iraniano, como revelado nesta quarta-feira (15) pela Folha, é a chance para a diplomacia brasileira estudar o que fazer a respeito.

Para deixar claro: não se trata de o Brasil se alinhar automaticamente a Estados Unidos e Israel na ofensiva contra o Irã. Trata-se, isto sim, de definir uma política para a região. Não pode haver melhor momento para tanto, se se considerar o potencial explosivo da presente crise.

Bandeira do Irã em frente à sede da Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena - Leonhard Foeger - 4.mar.2019/Reuters

O Crisis Group, especialista em analisar crises e propor soluções para elas, faz um bom resumo do momento: "Um choque não é inevitável, mas bem pode ocorrer --deliberadamente ou como produto de erro de cálculo".

As consequências desse choque seriam calamitosas para os países da região mas também para a economia internacional, dada a alta dependência do livre fluxo de petróleo pelo golfo Pérsico.

Tudo o que o Brasil não precisa neste momento em que está no fundo do poço (segundo Paulo Guedes) é um conflito que sacuda a economia global.

Logo, entender o Irã é uma questão vital. Em primeiro lugar, cabe separar as perspectivas de EUA e Israel nessa questão. Para Israel, trata-se, sim, de uma ameaça existencial. O Irã dos aiatolás já fez incontáveis declarações de que gostaria de tirar do mapa o Estado judeu. Portanto, Israel tem mesmo que tomar todas as cautelas.

Já para os Estados Unidos, o Irã só é um problema no Iraque, mesmo assim porque a derrubada do governo de maioria sunita (de Saddam Hussein) levou a um país dominado pelos xiitas e, como tal, inevitavelmente sujeito à influência iraniana. É o que analisam, para Foreign Affairs, Steven Simon (Amherst College) e Jonathan Stevenson (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos).

Mais: há aparente contradição entre o presidente Donald Trump, em tese pró-negociações desde que levem a um acordo talhado para os interesses de Washington, e seus assessores belicosos, Mike Pompeo e John Bolton.

Sanam Vakil, pesquisador da Chatham House, excelente centro britânico, procurou 75 analistas e formuladores de políticas de dez países (incluídos Irã e Estados Unidos), em busca de entender o quadro do contencioso.

Relatou também para Foreign Affairs que "alguns entrevistados, incluindo americanos, expressaram preocupação com a possibilidade de que Bolton e Pompeo minem o sucesso de qualquer discussão com o Irã".

Sugestão para o Itamaraty, se está interessado em algo mais do que as idiotices de Olavo de Carvalho: recuperar essa consulta da Chatham House. Fornecerá subsídios excelentes para entender o Irã.

Não é nada simples: se há divergências na administração americana, existem também no Irã, entre o moderado presidente Hassan Rouhani e a linha dura, conforme expôs para o israelense Haaretz Ariane Tabatabai, especialista no país persa.

Resumo da ópera: o Brasil deve, sim, atender ao pedido de Israel, mas não para participar do cerco ao Irã e, menos ainda, para estimular um conflito. Estudar o Irã é a melhor maneira —talvez a única— de distender uma situação com tanto potencial desestabilizador.

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