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clóvis rossi

 

03/03/2011 - 16h08

Pobre banqueiro dos pobres

GENEBRA - Lembra-se do Muhammad Yunus, criador do Grameen Bank, destinado a emprestar dinheiro para pobres, o que lhe valeu o prêmio Nobel da Paz de 2006?

Pois é, está sendo agora perseguido pelo Banco de Bangladesh, o banco central de sua terra, e pelo governo da primeira-ministra Hasina Wajed.

Uma primeira acusação foi de sonegação fiscal, que, no entanto, não foi adiante. Mudaram então para limite de idade. O Banco de Bangladesh, como regulador do sistema financeiro, alega que Yunus, com 71 anos, ultrapassou a idade permitida para desempenhar cargo de direção em uma instituição financeira, que seria de 60 anos, e ordenou o seu afastamento.

O Grameen Bank contesta o limite e manteve Yunus no cargo.

Seria, aliás, insuportável e discriminatório impedir alguém de dirigir um banco --ou qualquer outra atividade, profissão, que diabo seja-- só porque tem mais de 60 anos.

Na verdade, o que parece estar por trás da história toda é o desprezo da primeira-ministra pelo tipo de microcrédito que o Grameen fornece e sua antipatia por Yunus, a quem acusou de "sugar o sangue dos pobres em nome do alívio da pobreza".

Tanto o jornal britânico "Financial Times" como a família Clinton saíram em defesa do Nobel.

"Estamos muito incomodados com a carta enviada pelo Banco de Bangladesh ao Grameen Bank, relativa ao status do dr. Yunus como diretor-gerente", diz o texto de Hillary Clinton, que acrescenta desejar um esclarecimento do governo.

Hillary recebe Yunus na terça-feira em Washington.

Já o "Financial Times" lembra que houve, de fato, problemas com o modelo de microfinanciamentos, começando com uma onda de suicídios no Estado indiano de Andhra Pradesh, que se espalhou depois para Bangladesh.

É por isso que Yunus foi acusado de sanguessuga dos pobres, mas o FT diz que "a microfinança pode não tirar pessoas da pobreza, por si mesma, mas de fato fortalece a inclusão financeira, permitindo a tomadores de empréstimos pobres reforçar sua renda de forma que possam lidar com doenças ou outros choques temporários".

O jornal suspeita que, na verdade, o ataque a Yunus se deva às críticas que Yunus fez, em 2007, à classe política em geral, por ser, dizia ele, toda ela corrupta. Ameaçou até entrar na política, mas desistiu logo.

Há três ângulos no caso que podem ser vistos com olhos brasileiros, a saber:

1 - Cuidado quando você diz, como certamente diz, que todo político é ladrão. Primeiro porque generalizações costumam ser incorretas. Segundo porque algum deles pode estar ouvindo...

2 - Ainda que o sistema de microfinança seja interessante, é preciso cuidado, inclusive com o tal empréstimo consignado, primo distante do esquema do Grameen Bank. Há sempre o risco de enforcar o devedor. Vide a crise do subprime, os empréstimos hipotecários a quem não tinha como pagá-los, o que deu na baita confusão dos anos 2008/09.

3 - Chega a ser obsceno perseguir o chamado banqueiro dos pobres enquanto os ricos banqueiros estão livres, leves e soltos, depois de tudo o que fizeram para pôr o mundo à beira do abismo.

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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