Colo de Mãe

Cristiane Gercina é mãe de Luiza e Laura. Apaixonada pelas filhas e por literatura, é jornalista de economia na Folha

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A dor de ser mãe de meninas em um país onde o estupro é realidade

A cada 10 minutos 1 mulher é estuprada; casos recentes chocam

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São Paulo

No início da minha carreira jornalística, a violência sexual contra meninas era uma constante na minha cobertura diária na cidade de Matão (350 km de SP), região de Araraquara, no interior do estado de São Paulo. Eu tinha pouco mais de 20 anos, era recém-formada, e me deparava com crimes chocantes a cada semana.

Três deles em especial me marcam até hoje. Duas meninas de seis anos estranguladas após estupro, uma menina de cinco anos abusada por um idoso em um distrito da cidade e uma adolescente de 13 anos que sofria abusos sexuais constantes do avô, que alegava não ter laços com a menina —filha do filho dele— era adotada.

A atriz Klara Castanho - Klara Castanho Real no Facebook

Houve ainda o julgamento do caso de uma jovem que sobreviveu fingindo-se de morta após ser estuprada e jogada em um canavial ao lado de uma amiga, assassinada a tiros. Naqueles tempos, eu sentia tristeza profunda por todas as vítimas. Hoje, sinto dor e medo por minhas filhas.

Sou mãe de duas meninas de nove e 15 anos e o caso Klara Castanho deixou-me especialmente doída. Mesmo que cuidemos, protegemos e consigamos livrar nossas filhas de uma vida de vulnerabilidade social, elas não estão livres de serem abusadas em nosso país.

Dados de 2021 mostram que, a cada 10 minutos 1 mulher é estuprada no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Foram 56,1 mil casos, incluindo estupros de vulnerável, com pessoas do gênero feminino como vítimas. Os números cresceram ante 2020, mostrando alta em anos, como resultado do isolamento necessário por causa da Covid-21.

Minha filha de 15 anos começa a ter autonomia de andar sozinha pela cidade: caminhar pelas ruas do bairro, encontrar amigas no shopping, ir ao cinema, fazer suas próprias compras e voltar da escola em alguns dias específicos sem que tenha a mãe ou o pai ao lado. Algo que considero completamente normal para uma jovem que precisa de cada vez mais autonomia para crescer.

Às vezes, em seus passeios, a irmã está junto. Tomamos todo o cuidado com os horários e locais que vão frequentar. Nos revezamos, muitas vezes, com outras famílias para levá-las e buscá-la. Muitas são as jovens que vivenciam esses cuidados e, mesmo assim, são estupradas.

O caso da atriz Klara, de apenas 21 anos, nos mostra exatamente isso. Bem cuidada, bem criada, bem nascida e protegida, não houve o que fosse capaz de a livrar de um estupro e de outras violências.

Da violência sexual, resultou uma gravidez. Da gravidez, a doação de legal de um filho. Da doação, o julgamento inicial de médicos e enfermeiros. Do julgamento social, a venda da informação a alguém que se diz jornalista. Da venda, a exposição por parte de uma atriz falida, hoje política com as piores intenções sobre a sociedade. Da exposição, novo julgamento social.

Veio também empatia e acolhimento, mas a dor, essa que, mesmo com toda proteção do mundo, mãe e pai não conseguiram conter, não acabou nem acabará tão cedo. Acompanhamento psicológico deverá fazer com que ela viva dias melhores, mas nenhum dos fatos citados deixará de existir em sua história de vida.

Sinto a dor dessa jovem e a da menina de 10 anos —hoje com 11— que sofreu dupla violência: no estupro e na Justiça. E sinto especialmente a dor dessas mães, tão violentadas e ultrajadas quanto. Para proteger nossas meninas, é preciso muito mais do que famílias atentas e estruturadas, é preciso uma sociedade decente, não doente.

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