Colo de Mãe

Cristiane Gercina é mãe de Luiza e Laura. Apaixonada pelas filhas e por literatura, é jornalista de economia na Folha

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Colo de Mãe

Por que ainda me assusto com a irresponsabilidade paterna?

Pastores têm pregado a homens que eles devem ser fiéis a suas mulheres: 'filho eu posso ter outro; mulher, se eu perder, não tenho mais'

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São Paulo

Desde que comecei a escrever sobre maternidade ouço ainda mais histórias de mães e pais. Salvo exceções, a forma como homens levam a paternidade, em sua maioria, é assustadora.

Da parte das mães, são inúmeros os relatos de abandono e de falta de participação na vida dos filhos, mesmo quando vivem sob o mesmo teto. Da parte de pais, muitas vezes, a forma como eles se referem ao seu papel na vida dos filhos não condiz com a realidade na qual acredito. Há casos que beiram o surreal.

Histórias de homens que se separam e deixam de ver os filhos estão entre as que mais ouço desde que comecei a escrever sobre maternidade - Fotolia

Vivenciei um desses no começo deste mês de agosto, em que se celebra do Dia dos Pais, como cunhou o comércio e algumas religiões —ao menos nas igrejas cristãs, o pai é figura louvada neste mês.

A conversa assustadora veio de um motorista. Jovem, simpático, atencioso e "apaixonado" pelos filhos me disse que estava tentando se tornar evangélico. A meta é conseguir seguir os preceitos da religião para, em breve, se batizar.

Inicialmente, fez mea culpa. Afirmou que os homens são imaturos, demoram mais a entender a vida quando comparados às mulheres e, muitas vezes, colocam sobre a companheira responsabilidades a respeito de suas vidas como homens e de suas atitudes inconsequentes.

Ocorre que este trabalhador despertou para suas atitudes como homens ouvindo pastores evangélicos e resolveu compartilhar comigo uma lição que aprendeu. Segundo o motorista, é preciso valorizar sua esposa acima de qualquer coisa, inclusive, acima de seus filhos.

"Filho eu posso ter outro; mulher, se eu perder, não tenho mais", explicou-me. "E o pastor tem razão", complementou.

A viagem acabou antes que eu pudesse esboçar comentário mais contundente sobre essa "lição". Apenas o adverti que também tenho minha religião, mas que separo o joio do trigo que saem da boca de padres e demais religiosos.

O ensinamento do motorista era para justificar comportamentos que ele tem com seus filhos. Disse ser firme, não fazer acordos abrir espaço para "conversa" na hora de educar, e se o filho reclama, ele não cede. Afinal, filho vai e vem. Se ele perder um, pode ter outro com sua mulher —ou qualquer outra mulher (conclusão minha).

O pensamento de que filhos vão e vêm martelou na minha cabeça por dias. Até que me encontrei com uma nova amiga, que me contou sobre sua separação. Jovem, com uma filha de dez anos, ela e o companheiro se separaram no meio da pandemia, como muitos casais.

Até aí, nenhum espanto. Fiquei chocada apenas quando ela me disse que o pai passou meses sem ver a criança. Voltou a vê-la faz pouco tempo, após começar um novo relacionamento com uma mulher que gosta muito da menina.

A história dela me de trouxe à memória e ao coração várias outras que ouço com frequência, especialmente em agosto, principalmente no segundo domingo do mês. São muitas mães solo, que sofrem o abandono paterno de seus filhos. São muitas mães que, muitas vezes, foram abandonadas por seus pais.

São relatos de pais que vão embora, não telefonam, não pagam pensão, não perguntam da saúde do filho, não falam com eles, não visitam, não ouvem o que as mães têm a dizer, não prestam o mínimo papel de pai.

Esses comportamentos têm sido a regra na paternidade. A exceção, infelizmente, é pai presente, ainda mais se tiver separado da mãe. Não sei como mudar a realidade.

Mas vou parar o debate por aqui antes que alguma mulher ou homem venha me dizer que o mau comportamento masculino é culpa da mãe. Ou que homens somem por causa da ex-companheira. Não somos culpadas de nada.

A culpa, talvez, é por ainda não termos nos organizado de tal forma para forçar a sociedade a ser mais dura com determinadas atitudes.

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