Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes

Muito prazer, presidente, eu sou o Fato

O julgamento da história é um prato que se come gelado

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“Tenhamos cuidado com as palavras. Elas têm significado. Tenhamos cuidado com os fatos. Eles têm peso.” (Roger Cohen)

Os otários estão morrendo, presidente. Quando desligou pardais de estradas federais porque motorista “não é otário, não faz isso daí”, os fatos seguiram a ordem causal das coisas. Tivemos a primeira alta em acidentes graves desde 2011. Mesmo que a morte de otários não te comova, faltou observar que acidentes matam não otários. Sabe quanto custa para o Estado?

A Amazônia está queimando. Não é a cultura local, mas ausência de Estado. O desmatamento aumentou 29% (74% em área indígena). A costa brasileira sofre o maior vazamento de óleo da história. O ministério em desmanche reage a passos de tartarugas (que também morrem). Culpar, sem evidências, quem protege a natureza só fez escancarar inépcia e má-fé. Foi para promover DiCaprio?

Multas ambientais caíram pela metade. Pesquisas econômicas mostram que desmatamento beneficia o crime e produz pobreza, não crescimento. Vai faltar chuva para agricultura e água na torneira. O prejuízo foi calculado?

Donald Trump não te quer, presidente. Enquanto isso, o país engole a seco uma retaliação arbitrária no comércio internacional. Não te sobrou aliado lá fora. Ernesto sugere alguma reação à altura?

Ritos democráticos estão se esfarelando tal como planejado. Boa parte de tua equipe tem conhecimento diminuto da função que exerce, combinado com negação dos fatos, paranoia conspiratória e desprezo pela política pública que administra. É essa a ideia.

Só pede para pararem de falar em AI-5. O novo AI-5 não precisa se chamar AI-5. O estado geral de dormência funciona melhor do que a gritaria. Qualquer dúvida, liga para o Orbán. A “linha direta” com Trump serve apenas para recados de amor.

São alguns fatos, presidente. Agora uma dica sobre a imprensa. Seria melhor segurar a raiva, pois quanto mais você ataca a Folha, mais a dignifica. Esse rebote moral é implacável. A dica vale para a violência que pratica contra mulheres, homossexuais, índios, negros, paraíbas, jornalistas, artistas, professores, cientistas, detentos torturados ou qualquer dissidente.

A dignidade nos aplica outra rasteira: quanto mais se tenta ferir a do outro, mais se diminui a de si próprio. Não que tua biografia anime qualquer um a dizer que te restou alguma, mas a dignidade é uma matriarca generosa. Ela pede que até você, na sua humanidade rudimentar, tenha teus direitos protegidos.

Ninguém está autorizado a te agredir como você agride o outro. Nem que você fosse um genocida. O Tribunal Penal Internacional obedece a este princípio. A dignidade do genocida requer respeito a direitos básicos. Jesus Cristo pensava parecido, mas pouco te importa. Afinal, teu fígado já disse que a filosofia cristã equivale a “esterco da vagabundagem”.

Só não pense que vai sair barato, presidente. O julgamento da história é um prato que se come gelado. Estudiosos do fascismo têm se assombrado com tua figura. O historiador Federico Finchelstein (New School, Nova York), por exemplo, autor do livro “História das Mentiras Fascistas”, detectou “pensamento fascista” em parcela significativa dos teus militantes. E explica que “fascismo age desde baixo, mas é legitimado desde cima”.

Finchelstein nota que tuas invenções sobre o que, de fato, é “um dos maiores crimes do planeta atualmente —a rápida destruição da Amazônia”, lembram “as mentiras fascistas sobre sangue e solo”. E conclui que teu “estilo e substância [...], impregnados de violência política, chauvinismo nacional e glorificação pessoal, têm características fascistas essenciais”.

Deveria custar caro na Justiça brasileira também, mas improvável. Carente de dignidade própria, a magistocracia segue fiel a teu projeto. Basta manter magistocratas de barriga cheia e neutralizar juízes independentes. Nestes reside a esperança constitucionalista. A Justiça penal internacional pode se sair melhor.

Avisa teus ministros e colaboradores. Lembra o Moro que as escusas perderam o charme. Alerta os experts do ministério “técnico”, cujo chefe cogita o AI-5 como medida econômica, que nenhum está imune nessa cadeia de responsabilidade. Conta para tua família (a de sangue e a do Vivendas da Barra). Não sairá barato para ninguém.

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