Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu

Não haverá conservadores na Paulista

A marcha do dia 15 é pela supressão das instituições que não se curvaram à agenda de Bolsonaro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Qualquer um é livre para apoiar Jair Bolsonaro. Só não pode fazê-lo em nome do conservadorismo ou do liberalismo. É desonesto. Ou mal informado. É como espalhar o coronavírus e desmontar o SUS em nome da saúde pública. Ajuda a doença.

Se essa tese não é nova, os 15 meses de governo pelo menos oferecem confirmação empírica para o que antes soava como afetação acadêmica e má vontade política. Apesar dos 30 anos da carreira parlamentar em defesa de tortura, torturador e ditadura. E do que vem junto.

No xadrez da composição do governo, distribuiu-se entre seus membros os crachás de "liberal" e "conservador". Era mensagem para consumo externo. Paulo Guedes chamou a solenidade de "aliança de centro-direita entre conservadores e liberais", uma "revolução". A fachada queria vender moderação e decência, virtude dos que aceitam as regras do jogo.

O presidente Jair Bolsonaro, diante do Palácio da Alvorada, em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro, diante do Palácio da Alvorada, em Brasília - André Coelho - 15.jan.20/Folhapress

Na vida real, liberais sumiram e conservadores não deram as caras. Quando as portas do cavalo de Troia se abriram, de lá saltaram os guerreiros que pedem AI-5, fechamento do Congresso, fim do STF e intervenção militar-constitucional (instrumento imaginário que a Constituição desconhece).

Os cavaleiros não representam mais uma franja excêntrica da sociedade brasileira. Não estavam no armário. Já desfilavam em 2013 e se consagraram em 2019. Formam hoje base indispensável de sustentação do presidente.

O governo não os ignora, muito menos os condena, pois formam um corpo só. O presidente, sua família e o general os atiçam para as ruas. Não é uma marcha pela família e propriedade. Não é por qualquer reforma ou reconhecimento de direitos. Não é protesto contra a omissão das instituições. A marcha é pela supressão das instituições que não se curvaram à agenda presidencial, a oficial e a oculta. "Fodam-se!", ponderou o general.

A tradição conservadora evoca medo de mudança abrupta e desconfia da capacidade de a razão teórica promover boas transformações sociais. Não é contra a mudança, desde que cautelosa. Afinal, o conhecimento é imperfeito e intervenções geram conseqüências imprevisíveis. Tradições fluem, não são estáticas. Prudência e a experiência importam.

Edmund Burke, ícone do conservadorismo, entendeu que "um estado sem meios para alguma mudança não tem os meios para sua conservação". Deixou em aberto a pergunta: o que vale conservar? Gerry Cohen ensaiou uma resposta: "Conservadores querem conservar aquilo que tem valor intrínseco, e injustiça carece de valor intrínseco (tem, na verdade, desvalor intrínseco)."

Um conservador não pode ficar neutro sobre o valor do que quer conservar. E Bolsonaro? Difícil conceber um espécime menos conservador. Para o bolsonarismo vale a pena conservar o que já não estava mais em curso, ao menos no plano das normas jurídicas e das convenções de civilidade pública. As tradições de respeito e dignidade que vêm lutando para se erigir na esteira da Constituição de 1988 fogem do seu plano.

Não são só seus maus modos que ofendem a sensibilidade conservadora. São também suas políticas. Não só as políticas formais, mas também as informais —aquelas que estão vigentes mas não foram publicadas no Diário Oficial.

Na falta de liberais e conservadores, restaram os anticristãos em nome de Cristo e os militares pré-democráticos; os milicianos, grileiros e capangas digitais —bolsonaristas da esquina sempre a postos diante dos sinais do capitão; e os empresários que querem "modernizar" a economia na companhia dessa turma.

Essa noção peculiar de "liberdade" econômica sem liberdades civis não tem a ver com emprego, bem-estar e segurança. Não há modernização pela delinquência. Numa terra sem lei há outra coisa, independentemente do nome que os guerreiros queiram dar a ela.

Entre o "conservadorismo" da tortura e da repressão a individualidades, que nada tem de conservador, e o conservadorismo constitucional, eu fico com o segundo. A Constituição quer conservar e mudar, mudar e conservar, no ritmo devido. Bolsonaro quer varrer limites ao seu poder tão rápido quanto possível.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.