Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Quem vai conter o medalhão do STF?

Supremo Tribunal Federal tornou-se a instituição mais atordoada e atordoante da democracia brasileira

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Nós nos acostumamos a pedir pouco do STF. O tempo passa e, dia após dia, aceitamos um grão a menos. Era pouco e não sobrou quase nada. Em termos de dignidade decisória, salvo lampejo eventual de boa elaboração jurídica, o STF tornou-se a instituição mais atordoada e atordoante da democracia brasileira. Uma obra de anos, não da epidemia.

Veio a emergência sanitária e sua pauta particular. A judicialização, desejável ou não, é inevitável. Se atrapalhará ou ajudará o esforço estatal vai depender do que o Judiciário, e o STF em especial, fizer com ela.

O que o STF faz com ela? Já decidiu pela proibição de campanha presidencial contra a quarentena, pela precarização do processo legislativo, pela ruptura do teto de gastos, exclusão de lotéricas e igrejas da categoria “serviços essenciais”; impediu flexibilização de direitos trabalhistas, afirmou competência concorrente de estados e municípios no combate à epidemia, preservou prazos da Lei de Acesso à Informação.

Fotomontagem de ministros do STF durante sessão nesta terça-feira (14), a primeira por videoconferência do tribunal
Fotomontagem de ministros do STF durante sessão nesta terça-feira (14), a primeira por videoconferência do tribunal - Reprodução/STF no Youtube

Os resultados dessas decisões são defensáveis. O Estado de Direito, contudo, pede mais. Pede fundamentação jurídica fina e transparente, que indique parâmetros para casos futuros e a coerência com casos passados; e pede o carimbo do plenário. Até aqui, o STF está a dever nas duas frentes: prevaleceu a caneta monocrática e o palavreado genérico. Quem se arrisca a ler se perde nas inferências mágicas do legalismo fantástico.

Há também problema mais grave: a promiscuidade pública de alguns ministros. Continua fora do controle. O que ministros fazem fora dos autos, assim como juízes em geral, importa para sua autoridade. Alguns ministros do STF são indiferentes a esse cânone universal do bom juiz (que também é lei).

Fazem lives com bancos, reuniões com a Fiesp (onde Toffoli ofereceu a empresários linha direta para acesso privilegiado), articulações políticas, ameaças a Bolsonaro pelo Twitter, provocações a Moro. O ministro medalhão recusa ao tribunal o benefício de sua contenção.

Se percebessem o desserviço de sua incontinência pública, medalhões do STF já teriam se calado e se recolhido a seus gabinetes. Teriam passado a estudar a gravidade do momento e, juntos, examinado a delicadeza jurídica e octanagem política dos casos à frente.

Teriam assumido a responsabilidade de agir não só com presteza e consistência jurídica, mas de maneira colegiada. Sem negociações de bastidores com outros Poderes. E estariam pensando nos efeitos futuros de suas decisões do presente. Mas nem a vergonha contém o medalhão.

Lembre-se que “o STF” quase não existe. Quando dizemos “o STF decidiu”, cometemos o pecado da metonímia institucional. Confundimos a parte pelo todo, a decisão monocrática pela decisão da instituição (que poderá vir num futuro qualquer, ou não, a depender da sorte e dos interesses, não de critério público). Ignoramos a precariedade desse produto. O tribunal acha que não nos deve explicação.

A única certeza é a arbitrariedade de sua agenda e a superficialidade de suas razões. E, para completar, a licenciosidade de ministros que se dispensaram das regras de ética judicial, dos rituais da imparcialidade e do decoro. Uma conclusão velha cuja validade continua intocada.

Acima das individualidades, um tribunal é sempre mais forte. Refém das individualidades, já não é tribunal. O STF desconhece esse lugar e não faz esforço para descobri-lo. Tem função importante demais na democracia para se deixar levar por tamanha leviandade.

Chegou uma nova crise, a maior delas, sem que a anterior tenha esmorecido. E o STF faz mais do mesmo, outra vez. Não tem ideia de como fazer diferente.

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