Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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'La Constitución soy yo' resume a hermenêutica dos generais

Parem de falar em nome da Constituição, pois não somos analfabetos

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O bolsonarismo tem uma teoria de Estado e um método de interpretação constitucional. Para ambas, a Constituição brasileira de 1988 é descartável. É na caserna que foi forjada a hermenêutica dos porões, que tortura as palavras e arranca o significado constitucional no grito.

O exercício não pode prescindir da invocação nominal da Constituição, nem que seja da forma subletrada que molda o espírito e a carranca do general Heleno. Nessa metodologia secular, não há argumento, mas truculência. E também algumas flexões de braço para certificar a macheza dos intérpretes.

Opera na base do “La Constitución soy yo”. A máxima do muambeiro não deve ser entoada, apenas insinuada. Vem sendo aplicada por caudilhos latino-americanos há décadas. Congrega a indisputada boçalidade de quem celebra a tortura, rejeita a ciência e silencia sobre a morte. Seu combustível é o sofrimento humano.

Por falar em celebração da tortura e silêncio sobre a morte, três generais brasileiros têm apelado para que os levemos a sério como jurisconsultos.

O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, ao lado do vice-presidente, general Hamilton Mourão
O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, ao lado do vice-presidente, general Hamilton Mourão - Pedro Ladeira - 9.ago.19/Folhapress

Manifestam-se por recadinhos telegráficos, pois acham rebuscados demais os estilos de Pontes de Miranda e Ruy Barbosa. Também não lhes agrada o palavreado esotérico de Ives Gandra Martins. A hermenêutica dos porões pede a concisão de um tuíte. E uma charada nas entrelinhas.

A charada é a ameaça de uso da força. Força que suas palavras, sozinhas, nunca tiveram. Palavras frouxas costumam vir acompanhadas do tanque, do fuzil e da covardia.

Os generais Mourão, Heleno e Villas Bôas descobriram a fórmula definitiva da separação de Poderes, mas não contam para ninguém. Com esse trunfo na mão, querem ensinar aos Poderes Legislativo e Judiciário o seu devido lugar.

O pensamento do trio é mais ou menos assim: haveria hoje “tentativa de comprometer a harmonia entre os Poderes” e de “usurpar as prerrogativas do Executivo”; deve-se perguntar “às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país”; é o Exército que se “mantém atento às suas missões institucionais”. Não entendeu? A nossa burrice “poderá ter consequências imprevisíveis”.

A “harmonia” que pedem os generais, claro, não guarda relação com a separação de Poderes da democracia real. Esta é uma engrenagem volátil, sem fronteiras fixas entre Legislativo, Executivo e Judiciário, entre legislar, executar e julgar.

Num arranjo que combina controle judicial de constitucionalidade, supervisão legislativa do Executivo e um presidente que afronta a legalidade como método, é natural que as instituições judiciais e legislativas cresçam. Se não forem colaboracionistas, é isso que delas se espera.

Essa pretensão “interpretativa” dos generais lembra Sergio Moro. Concedeu-se a Moro, nos tempos de bom moço, o dom do “fiat Lex”, o poder de definir o significado da lei por sua própria vontade. Enquanto se presumia sua infalibilidade moral, podia pintar e bordar.

Os generais tentam agora exercer o “fiat Rex”. Esse poder é um pouco diferente. Não está inspirado na imagem de virtude moral que Moro possuía, mas nos tanques mesmo. Foi por meio do “fiat Rex” que decretaram todos os “atos institucionais” da ditadura militar, ordem paralela que autorizava o Estado a te matar.

Generais, se quiserem ganhar algum ponto com a virtude da honestidade, já podem usar o termo golpe. Fica mais didático e economiza nosso tempo. Parem de falar em nome da Constituição, pois não somos analfabetos. Teriam que dispor de alguma autoridade moral e intelectual para convencer.

Sabemos que golpes dependem da empulhação e do fator surpresa. De empulhação basta o sócio que escolheram dentre os seus piores, Jair Bolsonaro. Surpresa não haverá nenhuma.

Devem saber também que 2020 não é 1964, e que a tragédia humanitária e econômica será bem maior do que aquela que produziram. A história militar brasileira se repete, a primeira vez como atrocidade, a segunda como aberração.

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