Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes

O genocídio assombra Bolsonaro

O presidente tem feito sua parte da promessa aos indígenas

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A história política do século 20 legou duas palavras para expressar o mal radical e absoluto: fascismo e genocídio. No índice de malignidade política, fascistas e genocidas se sentam no topo. Pior mesmo, só no léxico místico e religioso. Só no inferno.

Essas palavras impregnaram o vocabulário político de formas diferentes. “Fascista” banalizou-se como epíteto para designar qualquer líder autoritário que reprime minorias e liberdades.

“Genocídio” não se vulgarizou do mesmo modo. Libertou-se, porém, das amarras do conceito jurídico-penal, que impõe duros requisitos probatórios e passou a se referir a ações e omissões difusas que multiplicam a morte em grupos sociais específicos.

O hábito de invocar os termos para extravasar repugnância afetou seu impacto. A banalização trouxe desconfiança. Essa desconfiança, também banalizada, sugere que a aplicabilidade dos conceitos precisa de desastre humano quantitativamente comparável ao da Europa dos anos 1930. Parece pedir um novo Hitler e um novo Holocausto.

Jair Bolsonaro contribuiu para o revigoramento do sentido técnico desses conceitos. Seria um fascista? Não faltam estudiosos brasileiros para dizer que sim. Não é grito sectário, mas argumento. Já cresce o debate sobre o “fascismo bolsonarista”, “novo fascismo brasileiro”, “fascismo à brasileira”.

Se soar suspeito, pode-se recorrer aos maiores pesquisadores do assunto no mundo. Finchelstein e Stanley retratam Bolsonaro como o mais acabado exemplar do fascista contemporâneo. Está tudo lá: anti-intelectualismo, ataque à verdade, construção de realidade paralela, ansiedade sexual, repúdio à igualdade, denúncia de degeneração moral, fabricação do inimigo, estética da violência, passado místico, ideal de pureza, uso tático da religião.

Seria também um genocida? Não basta a conhecida pulsão de morte de Bolsonaro, nem suas promessas de fuzilamento; não basta a correlação entre sua atitude e, por exemplo, o aumento da letalidade policial; nem mesmo sua escolha por deixar cidadãos morrerem e sua indiferença às mortes evitáveis na pandemia.

Na acepção jurídica, genocídio não é qualquer morticínio de um grupo étnico, racial ou religioso. O crime se pune quando provada a intenção de destruir esse grupo, por ação ou omissão. É julgado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).

Bolsonaro tem feito sua parte. Cumpriu a promessa de “adaptem-se ou desapareçam” aos povos indígenas do país. Em desafio aberto à Constituição, o governo inviabiliza operacionalmente os órgãos de fiscalização ambiental e proteção desses povos (Ibama, Funai e ICMBio), combate o que chama de “indústria da demarcação” e estimula invasão de terras indígenas por grileiros, garimpeiros e madeireiros.

Para esse projeto, um vírus é um providencial acelerador. A maior vulnerabilidade socioepidemiológica dos indígenas, combinada com a ausência deliberada do Estado, traz a melhor oportunidade de seu governo para a extinção de etnias inteiras. Junte-se a isso o envio ilegal de cloroquina, remédio que pode matar.

O TPI já analisa o caso do indivíduo Bolsonaro. Sylvia Steiner, ex-juíza do TPI, afirma que a omissão de Bolsonaro pode configurar uma política genocida semelhante a Darfur: “Alguns elementos podem levar à conclusão de que essa é uma política deliberada e proposital para limpar uma área e remover os indígenas”.

O STF, se não pode punir o crime de genocídio, pode preveni-lo ou mitigá-lo ao constatar omissão do Estado e ordenar, com urgência, que se restabeleça a política pública. Uma ação assinada por 14 advogados indígenas está na mesa de Luís Roberto Barroso.

Na gaveta de Rodrigo Maia, há dezenas de pedidos de impeachment. Alguns deles com o objetivo de conter o genocídio indígena enquanto é tempo.

O centrão partidário e magistocrático, contudo, está ansioso para firmar um tratado de paz com Bolsonaro e passar uma borracha nesses 18 meses. Meses repletos de animação fascista e intenção genocida.

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