Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

Reforma republicana é urgente para impedir captura privada do Estado

Corrida por vaga no STF ilumina déficits da arquitetura constitucional brasileira

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Mendonça virou ministro da Justiça e entrou com habeas corpus no STF para defender militantes bolsonaristas. Pensava ainda ser advogado-geral da União, mas se o fosse, também não poderia fazer o que fez. A servidão a interesses privados nunca foi papel constitucional da AGU. Ou pelo menos da AGU antes de Mendonça, caçador de antifascistas.

Aras virou PGR pela porta dos fundos e se dedica a desmontar o Ministério Público Federal, maior contribuição da Constituição brasileira ao constitucionalismo universal. Quer impor hierarquia onde a Constituição diz autonomia e concentrar poder onde lhe falta autoridade. O esforço de Bolsonaro para desgovernar na pandemia e proteger a família tem apoio desse caçador de anarcossindicalistas.

Noronha, presidente do STJ, correu por fora. Bastou Bolsonaro lhe confessar "amor à primeira vista" que revogou decisões ordenando publicidade de exames do presidente e impedindo posse de negacionista do racismo em órgão de combate ao racismo. Fechou com estilo ao criar tese jurídica para um homem só. Negou prisão domiciliar a outros 700 encarcerados em condição similar ao homem que se chamava Queiroz.

Mendonça, Aras e Noronha são devotos da gratidão de Bolsonaro. Creem que o presidente se orienta pela lógica da recompensa. Não atinaram que a técnica de Bolsonaro é outra: em troca da vassalagem, promete benefício futuro, promessa que pode descumprir sem custos. Quando chegar a hora, nomeará pelos métodos de gestão dos gabinetes da família. Décadas de biografia familiar comprovam que o acordo será miliciano, ou não será.

Contra sintomas de fraqueza de caráter e falta de autorrespeito, não há muito remédio. Pode-se prevenir, contudo, que o presidente use rastejantes para corromper instituições e políticas fundamentais de Estado.
A corrida dos rastejantes por vaga no STF ilumina déficits republicanos da arquitetura constitucional brasileira. O diabo patrimonialista, afinal, mora no detalhe institucional. É uma aberração que um AGU, um PGR, um ministro ou um presidente de tribunal superior (com poderes monocráticos excepcionais) possam receber cadeira no STF como prêmio por serviços prestados.

Apontar déficits republicanos no texto e na prática da Constituição de 1988 não é trivial. Invocar um senso comum fatalista, segundo o qual as práticas de corrupção e patrimonialismo, aparelhamento e captura, conflito de interesses e promiscuidade, nepotismo e libertinagem são produtos dessa entidade árida chamada "cultura brasileira", também não ajuda.

Não sei qual deveria ser a "reforma das reformas", ou "a mãe de todas as reformas". Sei que um ciclo de reformas republicanas é urgente para reduzir a vulnerabilidade de engrenagens institucionais contra a captura privada (seja de um autocrata, seja de agentes do mercado). Independência e imparcialidade de instituições de Estado são atributos a serem aprofundados num ciclo de reformas republicanas.

O ciclo poderia começar pela mais urgente: cláusulas constitucionais de quarentena para prevenir que projetos pessoais leiloem a integridade das instituições de Estado. Houvesse esse requisito, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, heranças abençoadas de FHC e Lula, não teriam chegado ao STF. Luiz Fux, a herança (sem comentários) de Dilma, teria.

Mas esse não é o ponto. Maus juízes podem chegar ao STF. Marcelo Bretas, em baixa, poderia chegar lá em novembro, quando Celso de Mello se aposenta. Um sistema bem desenhado de quarentenas não nos livraria de maus juízes, mas de alpinistas que, em nome da cadeira no STF, desossam instituição de Estado e a servem ao presidente. Não é solução infalível, mas é o que está ao alcance do arquiteto institucional. Não é pouco.

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