Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes

STF, modos de fechar

Antes de dar um golpe 'em on', é possível testar golpes 'em off'

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É sinal dos tempos um presidente da República, ao dar comando de golpe, mirar o STF, não o Congresso. "Vou intervir", teria exclamado a três generais. Dois se excitaram e o terceiro os demoveu, conforme reportagem da revista Piauí, construída a partir do relato de quatro fontes "em off".

Numa leitura apressada, parece ter faltado tirocínio ao autocrata. Possuído, agiu por impulso contra juiz que tomou medidas jurídicas de praxe contra interesse do filho. Por sorte da democracia, generais virtuosos traíram Bolsonaro e instaram jornalista a avisar o Brasil e o mundo do perigo que ele representa. Um ato heroico e republicano.

Numa leitura mais desconfiada, parece faltar tirocínio a nós mesmos. Bolsonaro não teria dado comando nenhum. Sentou-se com aliados de agulhas negras e rabiscou historinha com lápis de cor. Recorreram a jornalista para avisar o STF do perigo que eles mesmos representam.

Por que dar golpe "em on" se é possível testar golpe "em off" antes? Seja qual for a trama verdadeira —a inverossímil ou a malandra— o presidente que comete crimes cometeu mais um.

Fosse verossímil, Bolsonaro não engoliria traição a seco. Mas do governo ninguém se manifestou, repercussão na esfera pública não houve, STF e Congresso se calaram. O recado foi dado e o silêncio institucional indica sucesso.

Nessa onda de autocratização, clareza atrapalha, ambiguidade ajuda. O governo sabe que para "fechar o STF" não precisa fechar o STF. Há formas de "fechá-lo" sem fechá-lo.

Tentou fechar "à toffolesa" ao namorar presidente colaboracionista do tribunal. Toffoli fez o que dava: beneficiou Flávio com decisões monocráticas, aliviou agenda do plenário, hospedou general no gabinete, articulou acordo para poupar presidente de processo, deu as mãos a Aras, recebeu Bolsonaro e comitiva teatral que singrou a Praça dos Três Poderes para defender a inércia sanitária.

"Bom termos a justiça ao nosso lado", agradeceu-lhe o presidente. Mas a docilidade de Toffoli não bastou. Outros ministros ainda podem demais.

Ensaiou-se fechar "à polonesa", uma estratégia que aposenta juízes insubmissos e povoa a corte com apologistas. Revogar a emenda constitucional da bengala (que aumentou idade de aposentadoria) foi ideia marota nessa direção.

Se não tiver pressa, poderá fechar "à calabresa", modo mafioso pelo qual se compra a magistocracia rentista por meio de qualquer ampliação de "auxílios". Ou então, quando nomear novo ministro, mandá-lo fazer o mesmo que muitos ministros fazem a todo momento —pedir vista e deixar o caso na gaveta.
Bolsonaro e generais hoje tentam "fechar à francesa". Mandam recado e procuram na corte quem está disposto a ser corajoso.

Se nada der certo, resta fechar "à gandresa", uma opção clássica pelo ato de força com verniz jurídico encomendado ao pincel de Ives Gandra e dos gandretes.

Juristas que subscrevem Bolsonaro gozam de respeitabilidade similar à de Olavo de Carvalho na filosofia, na astrologia ou na proctologia. Gandra declarou que "Olavo é um mestre de todos nós". Gandretes, discípulos do discípulo de Olavo, são alunos da escola cínica da jurisprudência brasileira.

As proposições de Gandra e gandretes orbitavam a pré-constitucionalidade. Até ontem esposavam a tese pré-constitucional da intervenção militar. São adeptos do que Gilmar Mendes chamou de "tese de lunático" e Luís Roberto Barroso de "terraplanismo jurídico".

Gandretes estão prontos a nos levar, sem escalas, à pós-constitucionalidade. André Mendonça, por exemplo, tirou da cartola a ideia de que relatórios sigilosos da polícia do pensamento não se submetem a controle judicial, mesmo quando violam direitos. Como se ação judicial significasse quebra de sigilo.

Para reforçar o clima de normalidade jurídica, o presidente pode ainda convidar os profetas da democracia "risco-zero" a recauchutarem seus textos sobre normalidade política. Foram bastante vocais quando da eleição de Bolsonaro e desfilaram, em linguagem faceira, evidências de "risco-zero". Olavo nenhum da ciência política botaria defeito.

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