Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus STF

E o JusPorn Awards 2020 vai para...

A fraternidade precisa de você, magistocrata, nessa luta por distinção e luxúria

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A abertura do JusPorn Awards 2020 assanhou as salas de Justiça do país. Magistocratas esquecidos na lista inicial de indicados correram para entrar na disputa. Houve também reação de leitores diante de prêmio tão indecoroso.

Um disse que enxergo o “copo meio vazio”, não o “copo meio cheio”. Para funcionar, a metáfora pede que o copo tenha líquido perto da metade. O otimismo pode ajudar a viver, mas não é virtude analítica. Chico Buarque consola: “É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar”. O copo da magistocracia está cheio de férias e auxílio-autoestima também.

Outro leitor, mais aborrecido, perguntou por que nunca trato da “magistériocracia”. Foi um revés inesperado e desconcertante. Os manuais de interpretação do Brasil ainda se omitem sobre esse ator influente nos conflitos distributivos do país, o “professor”. Nada como um vigilante da magistocracia para jogar luz nas surpresas sociológicas do país.

A hora esperada chegou. O TJ-SP, pelo conjunto da obra, estava com as mãos na taça. Teve desembargador descamisado violando a lei em francês, outro negando habeas corpus a presidiários para “prender o vírus”, teve juiz punido por viés ideológico e juiz “nem aí com a Lei Maria da Penha”. Mas não foi dessa vez. Ao solicitarem vacina express, STF e STJ chutaram a porta para mostrar quem manda nessa esbórnia pandêmica.

A Fiocruz rejeitou o pedido, mas a cúpula da Justiça ainda inventará outra saída. Luiz Fux explicou, “com ética e delicadeza”, que a “preocupação com a sociedade já foi demonstrada em 8.000 ações”. Queira saber o que há entre essas 8.000 ações. Foi um sopro de hálito magistocrático: continuarão “trabalhando em prol da sociedade” se vacinados antes da sociedade. “Sou contra privilégios”, Fux disse depois. Sua biografia confirma a autenticidade.

Fux é uma espécie de Romero Britto dos tribunais. Só não tem a capacidade de pintar um retrato alegre e multicolorido de Bia e João Doria em Miami. Lembra um Rolando Lero, mas lhe falta a consciência do tanto que ignora. Rolando Lero não se levava a sério. Dotado de noção do ridículo, sua pompa exalava autoironia. A pompa de Fux é sincera. Se você disser que "pompa sincera" não existe, recomendo uma tarde de TV Justiça.

Um tal de Drummond convidou Fux a recomeçar: “Você é o que você fizer de você. Busque um lugar calmo e leve a Deus uma prece. Recomeçar é só uma questão de querer”. Não confessou em que anais da poesia nacional encontrou esse furo literário. E agora, Luiz?

Alô, alô, juiz, promotor e procurador honesto e trabalhador que não participa da pornografia mas se deixou enfezar pelo JusPorn Awards: o prêmio não é sobre você. Essa identificação carnal com a instituição é sintoma do que essa corporação pode fazer contigo. Moralmente e cognitivamente. Abraçar e defender a magistocracia é parte opção, parte resignação, parte sacanagem.

Resistir à tentação magistocrática tem custos e benefícios. Se os custos lhe parecem maiores que os benefícios, bem-vindo à confraria, você tem espinha e musculatura ética para o trabalho. A fraternidade precisa de você nessa luta por distinção e luxúria. Fique a postos para furar a fila do pão ou de qualquer outro bem coletivo. Aos poucos você vai assimilando esse currículo oculto. Logo receberá sua primeira comenda por bom comportamento.

A dedicação do indivíduo ético a uma instituição corrupta e autoritária é problema filosófico incontornável dos séculos 20 e 21. Não se sai eticamente ileso após carreira profissional em instituição tão estragada.

Assim como nenhum cidadão privilegiado sai eticamente ileso de uma sociedade tão desigual e brutalizada como a brasileira. Em parte, estamos no mesmo barco da responsabilidade.

Mas tome cuidado, magistocrata, para não anestesiar a consciência. Não é tudo a mesma coisa. Dentro dessa sociedade desigual e brutalizada, as instituições de Justiça operam a máquina mais voluptuosa de reprodução de privilégio e violência. E operam nos porões como ninguém. A face “hardcore-plus” da pornografia brasileira está nos espaços que a magistocracia governa. Uma aberração específica pede tratamento específico.

O JusPorn Awards tem grandes expectativas para 2021, ano com potencial juspornográfico incomum. O pecado mora ao lado da toga. Anote: “Nenhuma nudez judicial será castigada. Toda desfaçatez magistocrática será premiada”.

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