Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

Quando juiz foge da lei, vai para onde?

As cinco formas de corrupção da função judicial ao alcance da vista

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Estado de Direito sob domínio de operadores ineptos ou inaptos vira uma farsa. Não há Judiciário ou Ministério Público respeitáveis sob liderança e hegemonia de maus juízes e promotores. As causas da farsa variam: fraqueza ética e de vontade, covardia política, má formação e preguiça intelectual. Todas elas conduzem o “governo das leis” ao precipício.

Nosso vocabulário político já adotou expressões de origem acadêmica para falar de juízes e tribunais. “Ativismo judicial” e “judicialização”, por exemplo, tentam dizer algo sobre a expansão do Poder Judiciário por novos terrenos da separação de Poderes. Mas dizem nada sobre hermenêutica jurídica e integridade judicial ou o que explica a decisão x não ter nada a ver com a lei nem com a decisão y em caso semelhante.

Fugas da lei e da jurisprudência não se confundem com eventual decisão controversa ou errada. Indicam pulada de cerca ou rendição a alguma força externa. Essa “caixa-branca” do comportamento judicial brasileiro está aberta, só precisa ser mais bem tratada pela análise. Há pelo menos cinco fugas visíveis.

A primeira é a “populisprudência”, populismo judicial sob o manto da jurisprudência. Quando juízes apelam ao “sentimento social”, a uma ideia etérea de “povo”, a uma “missão” ou “causa”, como o combate à corrupção ou a regeneração moral do país, o direito perdeu protagonismo para o cínico. Não há exemplos mais evidentes do que o julgamento do mensalão no STF, da chapa Dilma-Temer no TSE e as táticas de alto contágio da Lava Jato de Curitiba.

A segunda é a “factionisprudência”, juiz que foge da lei e vai comungar com os companheiros. Interesses do partido e de seus correligionários pesam nas suas decisões e atitudes. A sugestão de que juiz pode ser “opositor, não inimigo” de partido político resume bem a perversão.

A terceira é a “amicusprudência”, uma inclinação cordial e nepotista. Juiz a pratica quando se rende aos laços privados e pessoais, ignora suspeição e conflito de interesse, flerta com tráfico de influência, facilita a vida da família e dos amigos, julga em causa própria. Foge da lei e abraça a jurisprudência dos afetos e do coração.

A quarta é a “milicusprudência”, aquela dos juízes que vieram ao mundo para servir ao regime. Tremem diante de tuíte de general que comete crime. Juízes colaboracionistas hospedam general em seu gabinete, chamam golpe militar de “movimento”, fazem reuniões privadas na caserna e prometem que, sob sua gestão, nenhum comunista sai da cadeia.

A quinta é a “cleptusprudência”, composta por juízes que entraram no Judiciário a negócios. Rendem-se ao dinheiro não só quando vendem sentença ou produzem generosa pauta corporativa e anti-republicana que ignora teto constitucional. Inclui a curiosa figura do juiz-empreendedor, proprietário de empresa de educação ou palestrante empresário de si mesmo, atividades vedadas pela Constituição e incentivadas pela magistocracia.

Essas fugas denotam corrupção, não corruptela, da função judicial e do direito. Se quiser exemplos concretos, sugiro começar por juízes do STF, que nos são mais familiares, mas não deixe de passear por todos os tribunais do país.

Na máxima do governo das leis, “casos iguais se decidem igualmente”. Juízes em fuga do direito decidem casos iguais de maneira diferente, conforme a vontade do “povo” que ouvem de suas janelas, do partido, do milico, do afeto ou do bolso. Casos com os nomes Bolsonaro ou Lula da Silva na capa, juridicamente, são iguais a quaisquer outros, mas fazem o chão tremer. Pedem prudência e coragem, não fuga disfarçada.

As cinco fugas vêm acompanhadas, claro, da linguagem pomposa e cafona do jurista. Não se deixe impressionar por esse jogo de aparências, técnica antiga do esoterismo. Costuma ser artifício para confundir e se autoempoderar. O autoritarismo discursivo e epistêmico tem inibido avaliação fria do que se passa, por exemplo, com os casos da Lava Jato no STF.

É o que parece. O direito tem sido coadjuvante nessa história, como em outros episódios do Brasil recente. A responsabilidade é de juízes que não sabem como sair do labirinto que teceram nem têm antídoto contra o veneno messiânico que venderam. Não vão sair desse precipício com decisões corretas avulsas. Devem nos convencer de que merecem respeito como indivíduos e como instituição. Na melhor das hipóteses, demora. Melhor começar.

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