Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes

Da CPI para Augusto Aras, com carinho

Agentes tronchos creem ter moderado, ou ao menos controlado, o autocrata

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Bolsonaro repete hoje ilícitos que chocavam ontem. Amanhã praticará ilícitos que já não chocam hoje. CPI do Senado e STF buscam no passado provas de condutas que Bolsonaro reencena no presente.

E sabem que, a depender de Aras e Lira, a condenação por crime comum ou de responsabilidade estará bloqueada. Aras vê festa cívica em tentativa de golpe e liberdade nos festejos pelo coronavírus. Lira vê falta de materialidade.

O abismo entre o tempo judicial e o tempo da delinquência bolsonarista escancara a leniência institucional. Por décadas, o modus vivendi e operandi de um parlamentar "polêmico" e "incivil" passou impune.

Na Presidência, nem a enormidade de danos vitais, materiais e simbólicos, derivados de seu comportamento, permitiu a instituições o neutralizarem a tempo. A tempo "razoável", no apelo constitucional. Ou a tempo de poupar milhares de vidas.

O TSE tem na gaveta casos que pedem cassação da chapa eleitoral de 2018 e casos que pedem a sanção de inelegibilidade em 2022. São a terceira via que Aras e Lira não podem trancar. Sobram provas e razões jurídicas. Faltam fibra e disposição para julgar, virtudes que a magistocracia não cultiva. Não há sequer data de julgamento, só cálculos de conveniência pela aritmética do medo e da autopreservação.

Bolsonaro está há poucas semanas sem xingar ministro e ameaçar intervenção no STF (como no 7 de Setembro e nos meses anteriores). Continua a rejeitar vacinas, medidas sanitárias e a defender erro médico (apelidado de "tratamento precoce").

Continua a eviscerar o Estado da capacidade de promover direitos e liberdades por meio das políticas constitucionais obrigatórias que descumpre.

O método de incapacitação estatal se baseia no tripé da omissão, da intimidação e do corte arbitrário de recursos, com toques de militarização. As profissões incumbidas do livre pensar, inovar e fiscalizar, como professores, cientistas, jornalistas e artistas, seguem sob o tripé da vigilância, da estigmatização e do negacionismo. Mas agentes tronchos, no Judiciário e no Congresso, creem ter moderado, ou ao menos controlado, o autocrata.

Dentro de poucos dias, a CPI do Senado publicará seu relatório. Apurou omissão e corrupção na compra de vacinas; gabinete paralelo que deixou Manaus sem oxigênio; aplicativo que prescreve "kit Covid" até para criança; campanha "Brasil não pode parar"; experimentos humanos sob respaldo de parecer, ainda vigente, do Conselho Federal de Medicina, cuja malícia tentou criar imunidade criminal sob o manto da autonomia médica.

"O relatório não é o fim, mas novo começo", disse o senador Randolfe Rodrigues. O maior desafio desse "novo começo" será a omissão desaforada do PGR, agraciado com novo mandato pelos próprios senadores —por Renan Calheiros, Omar Aziz, por senadores à esquerda e à direita que, excitados pelo garantismo retórico, optaram por seu contrário. Um faro político acima da moral republicana.

Se Augusto Aras sentar em cima do relatório, ou disfarçar colaboracionismo por meio de "averiguações preliminares" sem dentes, o que fazer?

Sua omissão irrecorrível parasita um ponto cego da Constituição. Senadores anunciam querer contorná-lo por gambiarra processual: a ação penal privada, subsidiária da pública, decorrente do direito de vítimas, quando o Ministério Público nada faz, entrarem com ação penal por sua própria conta (art. 5º, LIX, da Constituição).

A saída é arriscada por várias razões. Primeiro, pela falta de regras claras sobre prazos que delimitem inércia do MP e definam quem pode propor ação subsidiária quando vítimas são incertas; segundo porque, ao relativizar, sem maiores critérios, o monopólio estatal para acusações penais, abre uma porta perigosa para a politização desenfreada do direito penal.

O canto da sereia lavajatista reaparece com outra roupa. Desta vez, um lavajatismo pilotado não por meia dúzia de procuradores televisivos com mania de heroísmo, mas por agentes políticos quaisquer e seus advogados "garantistas" (por autodeclaração). A tese de que "situações anormais e excepcionais" escapam do "regramento genérico dos casos comuns", lembre-se, sintetiza a doutrina lavajatista. Foi elaborada pelo Judiciário. O resto é história.

Momentos de exceção e de ataque extremista justificam alguma heterodoxia processual de autodefesa. Mas que se previna a overdose. E que se priorize a boa reforma de instituições vulneráveis demais à captura por um PGR qualquer (o que não faz a PEC 5, de autoria do deputado Paulo Teixeira, mas isso ficará para uma próxima coluna).

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