Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

Como o STF resiste, ou não

Tribunal nunca foi o 'dique de contenção' que parece

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A relação entre Jair Bolsonaro e STF tem história. Quando era só deputado polêmico, porém delinquente, foi protegido por interpretação camarada do tribunal sobre liberdade de expressão e imunidade parlamentar.

Conforme a ambição pela Presidência emergia, crescia a ingratidão pela leniência judicial que catapultou sua carreira (desde a absolvição no caso do plano de atentado a bomba, apesar da expulsão do Exército).

Na campanha, seu filho sugeriu "um soldado e um cabo" para fechar tribunal e Jair defendeu ampliar cadeiras para ocupá-las com apologistas.

O discurso se inflamou e passou a mirar não apenas o quilombola, a mulher, a mulher negra devassa, o gay, o indígena, o fiscal ambiental, o professor, a oposição e os militantes de esquerda, mas o próprio STF.

No governo, rotinizou discurso de "intervenção militar constitucional" e atiçou ódio contra esse inimigo. Chamou ministros de "canalha", "idiota", "imbecil" e "filho da puta". Ameaçou desobedecer ("podemos jogar fora das quatro linhas", "aquilo que não queremos").

Seu governo já desobedece de forma furtiva (como o orçamento secreto). Chamou Kassio Nunes de "10% de mim lá dentro". Não para perder por 10 a 1, mas para "empatar" e obstruir.

A última investida é de sua deputada Bia Kicis. Quer mudar a Constituição para revogar PEC da bengala, que buscou impedir Dilma Rousseff de nomear mais ministros. Assim Bolsonaro pode nomear mais ministros (como se atuais ministros não tivessem direito de ficar até os 75 anos).

Nessa guerra de posição e de permanente animosidade, o STF tem sido visto como dique de contenção e resistência. Afinal, algumas de suas decisões chatearam Bolsonaro, o governo bolsonarista e o bolsonarismo. O senso comum alimenta as emoções dos dois lados do espectro: quem agradece ao STF pela luta e quem segue ameaçando o tribunal.

Esse senso comum precisa de teste, se não para rejeitá-lo, no mínimo para entender o tipo e tamanho da "resistência". Isso nos permite conversar para além dos palpites e detectar se e quanto o STF falha ou acerta, colabora ou resiste.

Só assim podemos evitar que o elogio da "resistência" se torne condescendência diante de suas notáveis falhas e omissões.

Resistência é conceito da física emprestado pela análise política. Ajuda a descrever o esforço de atores políticos e movimentos sociais contra retrocessos.

Foi adaptado para descrever o comportamento de tribunais que, apesar de supostamente estarem restritos à língua do legal e ilegal, também oscilam entre coragem e covardia moral, perspicácia e ingenuidade política.

Quando essas forças se chocam, a covardia vence o dever jurídico e pratica colaboracionismo. Coragem e o juridicamente correto às vezes se unem. Nesse caso, o tribunal exerce "resistência" contra a ameaça.

De que forma o STF tem tido a coragem de resistir (a Bolsonaro, ao governo bolsonarista e ao bolsonarismo)? O senso comum lista diversas decisões.

Cito algumas principais: as que permitiram articulação federativa para conter a pandemia apesar do negacionismo federal; a que regulou intervenção policial em favelas e reduziu mortes; a que proíbe orçamento secreto para compra e venda de deputados.

E, claro, o inquérito sigiloso das fake news, instalado de maneira heterodoxa, sob comando de um ministro. Espécie de dispositivo de sobrevivência, o inquérito virou instituição à parte, uma ferramenta de gestão e contenção do ataque bolsonarista à democracia. Sua eficácia está em aberto.

Por trás da "resistência", há muita hesitação e refugo. Aquilo que o STF resolve adiar. Alguns deles, por covardia, obstrução ou tirocínio político.

Há muitos exemplos de hesitação que causam prejuízos sociais e humanitários imensuráveis: decretos que liberam armamento; sujeição de civis à Justiça Militar; porte de drogas; omissão governamental diante da fome. Outros tantos exemplos de refugo: adiamento dos casos sobre marco temporal e o poder de requisição da Defensoria.

Podíamos falar de casos que o STF inscreve na rubrica "resistência" para ficar de bem com a história, mas tomou decisões inócuas: proteção de quilombolas e indígenas na pandemia; contingenciamento de recursos a universidades públicas, invalidado quando não dava mais tempo de executar.

O STF ainda impediu o MPF de controlar Aras, que bloqueou múltiplas representações criminais contra si.

Há dois tipos de argumento em defesa do STF. Um de realpolitik: "STF não pode entrar em tantas guerras ao mesmo tempo". Outro logístico: "STF está no limite de sua capacidade de trabalho".

Importantes, mas nem sempre convencem. Exigem, no mínimo, boa justificativa das escolhas sobre o que adiar e critérios de prioridade.

Ao lado do cálculo pragmático de realpolitik e logística, sugiro que ponham na balança um terceiro critério: sofrimento humano.

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