Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus

PGR 2021: retrospectiva da omissão

Vendeu 'descriminalização' da política, entregou impunidade de delinquentes públicos

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Protagonista da CPI da Covid e pré-candidata à Presidência, a senadora Simone Tebet viu seu pai se fazer prefeito, governador e senador. Ingenuidade não explica que, no Natal de 2021, declare: "Ninguém imaginava que Bolsonaro poderia namorar o autoritarismo ou ameaçar instituições democráticas".

Somente dois cientistas políticos e meio sustentaram a tese do "risco zero" com sinceridade enquanto Jair prometia enviar gente para a "ponta da praia".

Tebet aprovou indicação de André Mendonça ao STF. Resignação talvez explique voto "não pelo seu passado, mas pelo que espero que faça no futuro, um voto de confiança".

"Passar borracha" num passado recheado de violência permitiu a ela confiar em Bolsonaro. No futuro poderá dizer "ninguém imaginava que Mendonça poderia namorar o fundamentalismo contra a autonomia das mulheres e a diversidade".

Tebet teria votado pela recondução de Augusto Aras à Procuradoria-Geral da República, o que ela nega —a votação é secreta. Depois de entregue o relatório da CPI da Covid ao PGR, declarou: "Vi firmeza de propósito. Ele sabe o que tem de fazer e as consequências de sua omissão." E assegurou: "Estaremos atentos não só à inercia, mas a atos protelatórios. Se ele se omitir, aí tem uma ação".

Aras sabe as consequências de sua omissão. Para ele, nulas. Para o país, mortíferas. Para sua biografia, uma Ordem do Rio Branco e abraços calientes do presidente. Na busca constrangedora por indicação ao STF, apostou na colaboração premiada. O prêmio não veio.

Não bastasse a arquitetura constitucional que lhe autoriza a jogar parado (explicada em outra coluna), conta com a cumplicidade geral do Senado, que lhe deu novo mandato e se recusa a analisar pedido de impeachment contra ele; do STF, que impediu tramitação de representações criminais contra Aras no Conselho Superior do MPF; e da advocacia garantista por autodeclaração, que aplaudiu nomeação e recondução do PGR. Tebet não podia imaginar.

A laboriosa não atuação do PGR pede retrospectiva. Afinal, da "inércia" e de "atos protelatórios" de Aras se fez governo irresponsável, inimputável e incontrolável.

Esta a sua "firmeza de propósito": vendeu "descriminalização da política" e entregou extinção da punibilidade da delinquência pública.

Um lava-jatismo invertido, igualmente sectário e ilegal. Não denuncia ação política nenhuma, nem mesmo política de morte que afeta crianças na pandemia, com abundância de provas. Mas simula diligência por meio de "averiguações preliminares" e pedidos sigilosos, que dificultam acusar o golpe.

Essa omissão holística tem numerosos exemplos desde 2019. Alguns mais recentes: contra precedentes da própria PGR, Aras não se opôs a iniciativas de Bolsonaro contra urnas eletrônicas; defendeu legalidade do "orçamento secreto", maior engrenagem de compra de voto da história brasileira; não questionou ameaça de Bolsonaro a conselheiros da Anvisa, apenas anunciou "providências" para protegê-los.

Mais gritante foram as posições de Aras em torno da CPI da Covid. Bolsonaro tentou obstruir a instauração da CPI, mas o PGR não viu crime ou ilegalidade quando presidente pressionou senador Kajuru a pedir impeachment de ministros do STF. Viu apenas uma "perspectiva pessoal".

Instalada a CPI, Aras se recusou a investigar fatos e denúncias que foram surgindo no processo (como da Covaxin). Argumentou, contra a tradição da própria PGR, que precisava esperar o fim da CPI. Rosa Weber alertou que ele não poderia ser só "espectador".

Terminada a CPI, e diante de relatório de 1.200 páginas que aponta pelo menos nove crimes do presidente, Aras esperou 30 dias e pediu ao STF providências que não sabemos quais são.

Solicitou sigilo, e STF aceitou. Além disso, abriu novo capítulo de "averiguações preliminares", como se a CPI fosse apenas uma pré-preliminar. Nenhuma denúncia, nenhum inquérito sequer.

Aras bloqueou quase tudo o que pôde. Sobraram procedimentos heterodoxos que o STF, com advertências à paralisia do PGR, viu-se forçado a instaurar (como o inquérito das fake news).

Eloísa Machado e Luíza Ferraro demonstram que a PGR, instituição desenhada para controlar o governo, propôs 1,74% das ações contra o governo de 2019 a 2021. Aras propôs no período 276 ações. Apenas uma contra o governo, em tema inofensivo para Jair.

Renata Lo Prete sintetizou: "O governo Bolsonaro está disposto a delinquir na vacinação das crianças porque perdeu o medo. No momento, ninguém está com medo de parar na cadeia".

A ausência de medo se explica. Aras libera Bolsonaro. Bolsonaro libera subordinados, como Queiroga, e incita militantes, como a turba que ameaça de morte conselheiros da Anvisa.

Nessa bolsa de valores, cadeira no STF vale mais que vida de crianças. Soaria demagógico e hiperbólico, não estivéssemos falando de Jair Bolsonaro e Augusto Aras.

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