Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

STF está na vitrine global do litígio climático

Tribunal tem nova chance de ajudar a proteger as condições ambientais da vida humana

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A história reservou ao STF o que seus observadores temiam na última década: defender a ordem constitucional contra a ameaça autocrática despido da credibilidade que sua autoridade precisa. Um déficit que não é de sua inteira responsabilidade, mas de sua dedicada coautoria.

O tribunal embarcou, anos atrás, no frenesi salvacionista e jogou gasolina nas faíscas políticas que se espalhavam. E deu ao incêndio um pedigree jurídico de profunda ilegalidade. Ilegalidade que o próprio STF, à sua maneira confusa e dissimulada, veio depois a reconhecer. Ao menos em parte. O falso heroísmo de vedetes de toga e PowerPoint em riste contra a corrupção foi desmoralizado.

Bolsonaro e seu batalhão de bem, a essa altura, já haviam aproveitado o vácuo deixado pela vassourinha moral lava-jatista e ocupado o planalto.

Ministros durante a sessão plenária do STF - Nelson Jr./SCO/STF

Esse tribunal enfraquecido pela degradação política que ajudou a construir agora se vê atolado em casos da maior importância para a manutenção do projeto constitucional de 1988. Não que o STF, antes, não tivesse que decidir casos dessa magnitude. Seu protagonismo, afinal, já beira duas décadas. Mas nunca se viu diante de casos explosivos assim sob tamanha delinquência governamental, em tática de Blitzkrieg, com as miras voltadas contra ele.

Um governo cujo predicado definitivo foi o negacionismo: o constitucional (a ideia de que a Constituição não vincula os poderes políticos e o controle pelo STF atenta contra a vontade do povo); o pandêmico (a "gripezinha" que dispensava precauções e matou 650 mil pessoas em 2 anos); e o negacionismo climático (a indiferença ao aquecimento que, entre outras, vai empobrecer o país e por em risco a água em sua torneira).

Dizer o direito ao poder (político e econômico), mesmo em conjunturas de risco, é o heroísmo que cabe a um tribunal. Resta ao STF, essa instituição fraturada, responder ao negacionismo autoritário com verdade factual e consistência jurídica. Momento de juízes e juízas adultas na sala.

Depois de tomar decisões relevantes contra o negacionismo pandêmico, a despeito da omissão holística de Augusto Aras na persecução criminal dos facilitadores do vírus e do contágio, o STF colocou na pauta o combate ao negacionismo climático, que viola leis brasileiras e tratados internacionais.

Luiz Fux agendou para o dia 30 de março sete ações primordiais para o futuro do país. Tratam de temas como a inexecução das obrigações legais de combate ao desmatamento da Amazônia (ADPF 760); a evisceração ilegal do Ibama como órgão de fiscalização (ADPF 735); a exclusão da sociedade civil no conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente (ADPF 651); o esvaziamento do Fundo Amazônia (ADO 59); entre outros.

Recordes de desmatamento, virtual fim da fiscalização ambiental e da proteção de terra indígena, sem contar as ações criminais no Tribunal Penal Internacional, o lugar vexatório do país nos foros globais de negociação climática, ou a carta recente de relatores de direitos humanos da ONU que apontaram o tratamento de indígenas como "animais em cativeiro", dão só algumas evidências do tamanho do desastre.

O STF se colocou na vitrine global do litígio climático. Esse movimento procura chacoalhar a letargia da política democrática, capturada por interesses de curto prazo, por meio da provocação a tribunais. Basicamente, pede a juízes que exijam de governos o cumprimento dos compromissos jurídicos domésticos e internacionais, sem tergiversar.

Espera-se do STF ao menos duas coisas: que não transforme essa pauta corajosa, ao menos no papel, numa pauta fake, agendada e depois adiada arbitrariamente em deslealdade à esfera pública e a tantos que investem recursos para contribuir na deliberação; que leve a sério a urgência climática e o tamanho do dano causado pela política antiambiental em curso.

Augusto Aras, esse personagem triste de uma época triste, já opinou nessas ações. Argumentou que o STF não deve meter a colher nessa cumbuca, nem interferir na "discricionariedade técnica" do Executivo. Violaria a "separação de poderes". Evoca o que cartilhas de direito constitucional ensinavam antes da Constituição de 1988 e ignora os últimos 30 anos da jurisprudência do tribunal.

O STF sabe fazer melhor.

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