Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

Corrupção bolsonarista, capítulo 1

Quem não vota no PT pela corrupção faz o que com essa?

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Acabou a mamata do grito "acabou a mamata". Robotizado, voluntariamente desinformado e memeficado, o fiscal de mamata foi traído. Aquilo que foi vendido como governo sem corrupção se confirmou, para surpresa da velhinha de Taubaté, o seu contrário. Com esteroides.

Muitos dos que votam em Bolsonaro a contragosto e de nariz tampado, como dizem, organizam os polos da seguinte maneira: de um lado, a delinquência política de Bolsonaro e a ameaça à democracia; de outro, a corrupção encontrada durante o governo Lula.

Supõem que a prática de corrupção se ausentou desse governo. Que votar em Bolsonaro apesar da incivilidade, da violência e da ameaça holística, previne a corrupção do outro lado. Optariam pelo mal menor. Nessa equação marota, a corrupção bolsonarista não entra na conta. Fica escondida dentro do armário.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) - Adriano Machado - 6.jun.22/Reuters

Entre democracia lulista com corrupção e autocracia bolsonarista sem corrupção, ficariam com a segunda. O único problema é que esse dilema não tem nenhuma conexão com os fatos. E para perceber o falso dilema você não precisa se convencer de que governos petistas foram impolutos. Precisa só de um pouco de curiosidade e honestidade. Se também tiver interesse pela democracia e pelo próprio combate à corrupção, ajuda.

Independentemente do que você sabe e pensa sobre práticas de corrupção de gestões passadas, ou de como avalia provas apresentadas e responsabilidades atribuídas, não se pode esconder o que já se sabe sobre a gestão Bolsonaro.

E o que já se sabe atravessa todo o espectro desse conceito abrangente chamado corrupção. Se corrupção importa no seu voto, vale entender melhor do que se trata. Na acepção que mais toca o fígado e desperta fúria e ódio, corrupção significa enriquecer ilegalmente com dinheiro público. Essa corrupção é crime.

E nessa acepção reducionista e popular do conceito, há evidências espalhadas pelas gavetas do sistema de justiça de como a carreira eleitoral bolsonarista se catapultou a partir dela. As rachadinhas, os assessores-fantasma, as compras de imóveis com mala de dinheiro, as franquias de chocolate.

Mas se quisermos superar a primeira infância do debate político e fazer justiça ao conceito de corrupção, entendida como sequestro da coisa pública pelo interesse privado, temos que ir muito além.

Nessa série da corrupção bolsonarista, os capítulos não podem deixar de abordar uma infinidade de práticas de corrupção institucional.

A normalização das decretações de sigilo até para cartão corporativo e matrícula escolar da filha do presidente; o orçamento secreto; o apagão de dados; o desvirtuamento ilegal de políticas públicas de educação, saúde, ambiente, cultura e direitos humanos.

Ou a inviabilização da investigação de corrupção; as práticas de captura e assédio; mercadores da cloroquina, tráfico de madeira, Bíblias do MEC, kits robótica; a omissão de autoridades em área do crime organizado onde sumiram Dom Phillips e Bruno Araújo.

A corrupção, curiosamente, às vezes sequer viola a lei. Ocorre quando o próprio texto legal traz regra reprodutora de estruturas de dominação econômica. A espoliação se legaliza. Ou quando intérpretes da lei contrabandeiam interpretação troncha em benefício próprio. Que nome tem a interpretação que o STF faz da Lei da Magistratura, das vedações a juízes, das regras de ética judicial ou do teto constitucional?

Quem não vota no PT pela corrupção, faz o que com a corrupção bolsonarista?

Pode desconversar, gritando "acabou a mamata" ou "nunca vou esquecer da Petrobras" ao infinito; pode dizer que a corrupção do PT foi a maior da história democrática universal, tese empiricamente não demonstrável (seja de quem for a corrupção alegada); pode falar que Bolsonaro nunca soube nem mesmo das práticas de sua própria família no passado e no presente; pode salientar que Bolsonaro fez concessões inescapáveis para governar.

Ou pode reconhecer que corrupção era o pretexto, o ódio era o subtexto, a irracionalidade coletiva era o contexto do que nos trouxe aqui. E aí descobrir que corrupção não se combate com messias nem com juiz herói, dublê de homem de bem e praticante do "fiat lex" (faça-se a lei). Que corrupção se enfrenta com esforço contínuo, dependente de instituições transparentes, autônomas e competentes, para começar.

Inspire. Pense em transparência, autonomia institucional e competência técnica. Expire. Agora pense em governo Bolsonaro. Aguarde os próximos capítulos.

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