Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus

Corrupção bolsonarista, a série sem fim

'Sem pandemia, sem corrupção e com Deus no coração'

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A série de capítulos da corrupção bolsonarista fez um convite à honestidade cívica. Propôs diálogo não corrompido sobre o Conceito e o Fato da corrupção. Há coisas que, por tão grandes, ignoramos. Chamam-se fenômenos supraliminares. Diferente do subliminar, tão pequeno que não toca a consciência, o supraliminar nos paralisa em negação.

Se não basta deixar morrer, multiplicar a fome e fechar a democracia; se não basta nos empobrecer, esfomear, embrutecer e liderar a onda de autocratização no mundo; se também é preciso ser corrupto, então olhemos ao redor.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) discursa ao lado do candidato a vice Walter Souza Braga Netto - Mauro Pimentel - 16.ago.22/AFP

Corrupção não é apenas roubo de dinheiro público. Até certa medida, essa machuca menos que práticas estruturais. Mas se tudo que importa é corrupção do dinheiro "dos seus impostos" para o bolso da grande família, temos muita. E dopada. Só no Secretão, 44 bilhões empenhados e 28 bilhões já pagos. Sem publicidade e controle. Destino desconhecido.

Mais difícil que mapear a corrupção bolsonarista é saber por onde ela não passa, se deixa alguma esfera de governo intocada, se sobrou alguma ilha de integridade e de verdade. Uma secretaria proba, um gabinete sem ódio, uma cadeira limpa, uma boca higienizada, um corpo sem assédio, um resquício de bem comum, um repúblico. Onde está?

A corrupção bolsonarista é holística e metódica. Estrutura poderes oficiosos e gabinetes paralelos enquanto desestrutura políticas públicas constitucionais; enriquece ilicitamente empresários, crime organizado e beneficia até mãe do centrão; manipula afetos e o que você consegue saber a respeito. Obstrui desenvolvimento econômico e humano.

Consome dinheiro e aumenta patrimônio de safra da delinquência política brasileira, mas também custa instituições e convenções democráticas, película frágil e rara na história do país. Custou centenas de milhares de vidas que se podia salvar, custou liberdade a se resgatar.

O negacionismo serviu à corrupção. Fanatismo foi instrumento. O Conselho Federal de Medicina vendeu a medicina. Trocou Hipócrates por Cloróquites. Validou charlatanismo letal para lucrar. Sobrou um conselhão corporativo indigno de confiança. Mais rico e mais mortal.

A corrupção bolsonarista vem embrulhada em linguagem odienta, indutora de anomia e violência, que transbordam nas ruas e periferias, nos bares e festas, nas reuniões de condomínio e na sauna masculina do Pinheiros (instituição paulistana onde homens de bem, despidos e suados no seu salón, gritam e sussurram suas aflições nesse mundo).

Bolsonaro diz que, se não for eleito, quem ganhar "vai recolher as armas, clube de tiro vai virar... vai virar biblioteca." Pois é, mas não se engane. Ele fala de dinheiro, não de filosofia política, de segurança ou ideal antiliterário. O lobby das empresas de armas e munições, liderado pelo filho, a multiplicação de clubes de tiro e o escoamento de armas para milícias rendem mais que lobby de editoras.

Existisse lobby do livro e da biblioteca, geraria riqueza comensurável e incomensurável para o país, não para o gangster bibliófobo.

Na Marcha Para Jesus, berrava: "É o governo que acabou com a palavra corrupção: se aparecer, ajudaremos a investigar." Tem ajudado: tranca PGR, interfere na PF, decreta sigilo, produz apagão de dados, esvazia Coaf, aluga e empodera centrão com orçamento secreto, compra voto contra a lei e com rombo fiscal, inviabiliza eleição livre e pacífica.

Não sabemos qual eleição teremos, se tivermos. Sabemos que a fabricação artificial de "estado de emergência" para despejar bilhões na conta de eleitores miseráveis até dezembro e de acionistas da Petrobrás viola integridade eleitoral e a lei. STF mira calado.

A palavra corrupção é a mais sonora do nosso léxico da indignação política. E a mais cínica do nosso léxico da hipocrisia. A prática da corrupção explodiu e se diversificou.

Em todos os capítulos, há dinheiro público operando no escuro. Mais que dinheiro, há instrumentalização de instituições para tornar a corrupção menos visível e investigável. Da corrupção "dinheiro no bolso" à corrupção "instituição no ralo".

"Sem pandemia, sem corrupção e com Deus no coração, ninguém segura esse novo Brasil". Apesar do slogan alucinógeno, Bolsonaro se viu forçado conceder: "Se procurar corrupção, vai achar alguma coisa, uma besteira qualquer." Diante de tanta evidência, desvia: "Surgiu nova classe de ladrão, aqueles que querem roubar nossa liberdade."

A "nossa liberdade" não é nossa. A "nova classe de ladrão" não é nova, a "besteira qualquer" é uma enormidade, o "novo Brasil", velho e antimoderno. Livre está a dinastia política que vai ficando rica à sombra da lei.

Parece ruína, mas ainda é desconstrução.

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