Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Corrupção bolsonarista, capítulo Aras

Errou quem chamou de "Poste": bloqueio de investigação trabalha para a corrupção

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Augusto Aras se tornou a encarnação nua e sebosa de omissão do sistema de justiça. Ao lado de Artur Lira, senhor do Secretão e da degradação do processo legislativo, forma a dupla de bloqueio do novo coronelismo brasileiro.

Corrupção precisa de omissão. Esta é, em si mesma, um tipo clássico de corrupção institucional. Sem Aras e os seus, não haveria Bolsonaro elegível e atrás de reeleição.

O procurador-geral da República reputa trocadilho irônico com o P de PGR crime contra sua honra. Mas foi ele, Augusto, quem achincalhou sua imagem. Conquista sua. Deu até ordem para polícia interceptar no aeroporto professor que lhe fez indagação jocosa na rua de Paris. Não tem autoridade para isso, exceto no porão da ilegalidade. Aras tem alergia ao chiste. Empoderado, deu nisso. Reservou assento VIP na história da infâmia.

Presidente Jair Bolsonaro conversa com procurador-geral da República, Augusto Aras - Ueslei Marcelino - 17.abr.20/Reuters

Caricatura do "homo bacharelescus", tipo sociológico arrivista e amoral, Aras forja tese jurídica em troca de nota promissória para cargo futuro. Como suas teses burlescas sobre liberdade, que nunca fixaram um único limite ao que um presidente particular pode fazer. Limites só para quem desabona suas luzes.

A nota promissória de Bolsonaro foi a cadeira no STF. Não pagou. Uma colaboração premiada sem prêmio no final. Depois da traição, restou a Aras não se sabe o quê. Talvez o silêncio da advocacia progressista por autodeclaração, que o cortejou.

Ou a camaradagem do ministro do STF que organizou livro em sua homenagem, mas não se deu por suspeito para relatar investigação contra o homenageado e sua vice. Ou o abraço hétero de Jair. Ou um pirulito de consolação.

Esse "homo bacharelescus" tem seu tique de expressão corporal e verbal. Em vez de análise jurídica, expele slogans com olhar circunspecto e resoluto. Nunca deu explicação para o mantra da "descriminalização da política". Mas por meio desse non sense jurídico justificou trancamento da instituição de controle da delinquência presidencial. E criminalizou o trocadilho.

Aras sabe "a cor da unha que vai pintar, o sapato que vai calçar". É símbolo de outra faceta da corrupção bolsonarista: menos investigação, menos crimes de corrupção. A epítome chamada Augusto amaciou caminho para cada prática narrada em capítulos anteriores. Ainda impede investigações contra si, persegue procuradores que o contrariam e ameaça parlamentares que lhe engordam de representações criminais. Ainda processa e cala críticos. Não faz nem deixa fazer.

Foi pedra angular da catedral. Errou quem disse "Poste".

Uma forma de "fazer sumir" a corrupção é decretar sigilo e apagar (ou deixar de produzir) dados (capítulo 3). Aqui trato de um anabolizante: a neutralização de instituições de controle. Há inteligência na arquitetura da omissão que o presidente e Aras botaram de pé: "não tem o que investigar aqui, não fizemos nada errado", resumiu Jair.

São prodigiosos os casos de inércia da PGR reportados pelos jornais. Para começar, o gosto pelo segredo: protege decretações arbitrárias de sigilo pelo governo além de fazer gestão opaca e tornar PGR um poço escuro.

"Apurações preliminares", truque forjado para evitar inquérito e driblar supervisão do STF, das quais engavetou mais de centena, tramitaram sob sigilo. Nem ministros do STF sabem do teor arquivado. Documentos públicos da CPI da pandemia, Aras tornou sigilosos. E enterrou.

Mas quando Bolsonaro vazou documentos sigilosos do TSE sobre ataque a urnas, Aras chancelou. Defendeu, veja só, a publicidade. Sua gestão processa procuradores da república do Rio por terem dado, ora ora, publicidade à denúncia de corrupção. O assédio a procuradores é seu jeitinho de lidar com a dissidência. A incoerência é seu jeitinho de brigar com a inteligência.

Aras arquivou caso da demora da vacina infantil. Crianças morreram pelo atraso. Corrupção da Covaxin? Arquivada. Bolsonaro, Pazuello et caterva na pandemia? Arquivado. Agora cozinha arquivamento do caso do ouro bíblico no MEC. Arquivamentos, quando não decorrem da alegação de falta de prova, podem fazer "coisa julgada". Dificultam investigação futura e semeiam anistia geral da torrente criminosa.

Lira, seu parceiro gatekeeper, construiu com Bolsonaro uma relação ganha-ganha. Menos atilado, Aras conseguiu a façanha do ganha-nada, a proeza do só-perde. E sua vassalagem catapultou a "impunidade de rebanho", como disse Jamil Chade.

Outros atores também galvanizam a corrupção que Aras sintetiza. As interferências presidenciais, por meio de nomeações e intimidações, na Polícia Federal, no Coaf e em todo o edifício da fiscalização ambiental (que deixou de multar criminosos) entram nessa categoria.

Quando Aras bate na mesa e parte para cima de colega, por quem a mesa de Aras dobra? Não dobra por ti, patriota.

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