Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

Se você disser que eu generalizo, Excelência

Criticar a magistocracia não é ignorar os membros íntegros da Justiça, mas valorizá-los

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A magistocracia corresponde a uma linhagem do estamento burocrático brasileiro. Possui tradições e poderes que fazem dela uma das mais parasitárias do interesse público (e não nos faltam parasitas). Tem hegemonia e governa o sistema de Justiça, mas não corresponde à totalidade dos seus membros. Normalizar depravação ética e corrupção institucional, e conquistar nossa complacência, é seu foco.

Quando se critica a magistocracia, escutam-se ecos defensivos daqueles que sentem ferida sua integridade. Acusam "generalização". Mas a confusão da parte com o todo está mais na leitura desatenta que na crítica. Ou na má vontade.

Estátua da Justica em frente ao STF - Sergio Lima-27.jul.12/Folhapress

Recapitulei nas últimas semanas teses elementares: há uma Justiça para a pobreza, outra para a riqueza; a distribuição desigual do direito de defesa faz alguns réus mais iguais do que outros; a riqueza muitas vezes ainda se beneficia de defesa não exatamente jurídica, mas lobística em jardins babilônicos do Lago Sul. Ali se frequentam a advocacia lobista e magistocracia. Uma não vive sem a outra.

São retratos bastante banais. Difícil defender o projeto de Estado de Direito e, ao mesmo tempo, fazer vista grossa para o descalabro das práticas de seus operadores.

A magistocracia tem cinco atributos: autoritária, porque viola direitos (e turbina encarceramento em massa, por exemplo); autárquica, porque luta para se desviar de controle; autocrática, porque combate independência de juízes que pensam diferente; rentista, pois recorre a estratagemas jurídicos para benefícios patrimoniais irregulares; dinástica, bom, você sabe por quê.

Nem todo magistocrata terá pontuação máxima nos cinco atributos. Mas democratizar a Justiça significa enfrentar cada atributo. O magistrado não magistocrata deveria se incomodar menos com crítica que não se dirige a ele. Mais justo e produtivo se indignar com o objeto da crítica, a magistocracia.

Ela povoa os tribunais do país e inferniza a sua carreira. É inimiga de sua independência, inteligência e dignidade. Boicota seu autorrespeito e autoestima, afeta sua reputação, desafia sua vocação republicana e esgarça seus limites morais. E tenta comprar seu silêncio com benefícios pecuniários e simbólicos ilegais, e algumas pitadas de intimidação.

Há avanços modestos e esporádicos, apesar da magistocracia. Um juiz não pode, hoje, como antes, dar liberação genérica para a polícia invadir domicílios pobres. Conquista civilizada do STJ. Se a polícia pode prender preto suspeito por ser preto, está na mesa do STF para decidir. Mas quem disse que um tribunal soberano como o TJ-SP se subordina a tribunais superiores?

Recentemente, atleta e negro paraplégico, que sofre com dores agudas na coluna e recebeu salvo-conduto para plantar maconha com fins medicinais, foi preso em flagrante por suspeita de tráfico de drogas. Diante do abuso compartilhado por polícia, promotor e juiz, desembargador do TJ-SP mandou soltar. Não sem antes dizer: "por mais que ele tenha sido encontrado em situação típica de tráfico", "não expressa ofensividade em grau suficiente".

O problema não foi só o abuso rotinizado. E a liberação do desembargador tampouco foi uma solução. Pergunte se ele tomou alguma providência contra os agentes da grosseira ilegalidade. Onde desfila orgulhosa a magistocracia bandeirante, a violência estatal recebe carta branca.

Podemos também citar furo mais recente. Luiz Vassallo, do Estadão, descreveu como "Empresas com causas de R$ 158 bilhões patrocinam eventos para magistrados". Descobriu também que o CNJ afrouxou regras contra promiscuidade.

Um furo tão grande quanto o orçamento secreto. Um assunto tão perene que entra no campo das irrelevâncias. Amolecer nosso compasso moral é da magistocracia sua arte maior. Cidadãos resignados e jornalismo servil são o terreno onde magistocratas sapateiam.

O centrão partidário não consegue essa façanha. O centrão magistocrático, feito do mesmo material genético, mas munido da carteira de autoridade jurídica, consegue. Se você se preocupa com o centrão partidário, massa corrupta e amorfa que nada tem de centro democrático, você deveria se preocupar ainda mais com o centrão magistocrático.

Porque entre Gilmar Mendes e Toffoli, passando por desembargador que se insubordina a guarda falando um francês subculto para impressionar a si mesmo, ou do ministro que aceita mimos de luxo de advogado lobista ao desembargador que processa jornalista por falar a verdade, tem um sistema de Justiça a ser democratizado. Ou pelo menos posto sob a autoridade do direito. Porque a desobediência à lei sob a capa da legalidade é parte essencial do ethos magistocrático.

A magistocracia é ridícula, promíscua, pornográfica. Mas é também corrupta e perigosa. O magistrado não magistocrata pode lutar contra isso. Tirando a advocacia lobista e seus clientes, aqui fora só tem aliado.

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