"Champanhe não bate pra mim, é só álcool, algo banal", cantava Cole Porter ao piano, com seu timbre engraçado, nos anos 1930. "I Get a Kick Out of You" ficou famosa na voz de Sinatra e Ella Fitzgerald —basicamente a letra compara prazeres mundanos à mulher amada em benefício da musa.
Na vida real, no entanto, Porter acordava cedo em Paris, botava sua roupa de cavaleiro, sentava-se para compor duas ou três canções e ao meio-dia aparecia no Ritz para tomar um coquetel de champanhe. "Já cavalguei muito essa manhã!", anunciava ao bartender, com ar sedento.
Outro que gostava de champanhe antes do almoço —na verdade, no café da manhã— era Winston Churchill. Para acompanhar as inebriantes bolhas, pedia ostras. Na guerra, teria dito: "Lembrem-se senhores: não é pela França que lutamos, é pelo champanhe!"
Napoleão, também aguerrido fã da bebida, popularizou entre seus comandados a técnica do Sabrage, que consiste em degolar a rolha da garrafa com um golpe de espada. (Dá para imaginar alguns acidentes curiosos). Seu mote era: "Champanhe! Na vitória você o merece, na derrota precisa dele!"
No filme "Bonequinha de Luxo"(1962), há várias cenas de borbulhante coqueteria. Numa delas, o amigo de Holly Golightly, entusiasmado por vender um conto a uma revista, bate em sua porta para contar a boa nova. Como se falasse de cereais, a adorável garota (Audrey Hepburn) diz que há champanhe gelado na geladeira.
Ele, surpreso, avisa que nunca havia bebido champanhe antes do café da manhã. Ela então sugere que naquele dia só façam coisas que nunca fizeram na vida. "Se bem que não me lembro de nada que eu não tenha feito", acrescenta.
O livro de Truman Capote, no qual o filme se baseia, é em geral mais amargo que a versão adocicada de Hollywood. Essa cena não existe em papel, só no roteiro. No romance (ou novela, já que é curto), eles vão comemorar num bar prosaico, com alguns coquetéis de champanhe, o que pode ser ainda melhor.
Hepburn, com seus lindos olhos enormes e sua silhueta para lá de elegante, é quase uma metáfora do champanhe. A cena inicial do filme, em que desce de um táxi e caminha até a vitrine da Tiffany's é marcante.
Seu corpo usa o Givenchy preto como se fosse a própria pele, as pérolas no colo lhe são naturais como as bolhas de um Veuve-Clicquot ou Maison Bollinger, e o penteado, alto, combina com os arranha-céus de Nova York.
Voltando aos anos 1920, Coco Chanel já desenhava e costurava esse vestido, que Givenchy apenas revisitou. Naturalmente, a grande estilista era também uma devota do champanhe: "Só bebo champanhe em duas ocasiões: quando estou apaixonada e quando não estou."
Longe do perfil de taça flûte de Hepburn e Chanel, Hitchcock se aventurou pela bebida em um filme do qual não gostava. Mas "Champanhe", seu penúltimo filme mudo, de 1928, traz ao menos uma sequência magnífica: uma garrafa é aberta, a espuma explode na câmera e vemos uma cena projetada numa bolha, dentro da taça. Metalinguagem ébria.
Para encerrar este 2020 tão nefasto, só mesmo fazendo como Chanel, Churchill, Napoleão, Porter e Hepburn, excelentes conselheiros: vá de bolhas peroladas do champanhe. É embriagante, festivo, fulgurante. Vacina para o desânimo, é a matéria própria dos sonhos que temos quando acordados. Saúde!
Coquetel de champagne
Ingredientes
- 30 ml de conhaque
- 100 ml de champanhe
-
Um cubo de açúcar mascavo
-
Quatro gotas de angostura
Passo a passo
Jogue o cubo de açúcar numa taça flute e o molhe com quatro gotas de angostura. Sirva o conhaque e em seguida o champanhe. Borrife o óleo de uma casca de laranja e descarte.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.