Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

Coquetel algonquin batizou a mesa redonda mais famosa da literatura

Escritores, jornalistas e humoristas se encontravam em bar para tomar mistura de uísque, vermute e abacaxi

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Era proibido levar convidados para os quartos. Desconfiado, o gerente do hotel ligou para o 451 e perguntou: "Mrs. Parker, há um cavalheiro com a senhora?". Resposta: "Espera um instante, vou perguntar para ele".

Essa era Dorothy Parker, a escritora que quando acordava, "escovava os dentes e afiava a língua". O hotel era o Algonquin, em Manhattan, mítico ponto de encontro de contistas, dramaturgos, críticos, comediantes e atrizes. O quarto provavelmente não era esse, mas como tudo o que cerca essa ácida legião, entre a lenda e o fato, imprima-se a lenda.

Definida pelo rotundo crítico e radialista Alexander Woollcott como "um misto de Chapeuzinho Vermelho e Lady MacBeth", por conta da sua personalidade romântica e cínica, com uma mínima, mas contundente dose de ingenuidade, Dottie era a figura mais brilhante da Távola Redonda de Algonquin, ou Círculo Vicioso, como chamavam seus integrantes.

A escritora Dorothy Parker
A escritora Dorothy Parker - Divulgação

Até a festa inaugural do grupo, para recepcionar Woollcott, que vinha da Guerra, em 1919, ela não bebia. Simplesmente não tolerava o cheiro de álcool, que já lhe fazia mal, mesmo que tivesse um marido alcoólatra, o corretor de Wall Street Edwin Parker.

Começou a beber para acompanhar a balbúrdia etílica à sua volta. E não parou mais. Foi experimentando de tudo, até chegar ao scotch. Como escreveu no conto autobiográfico "Big Blonde": "Ela bebia sem água, porque era a maneira mais rápida de fazer efeito".

Era a bebida que a deixava mais relaxada, sem maiores danos colaterais. Em tempos de lei seca, além da mesa de Algonquin, onde encontrava diariamente o editor Harold Ross, que fundou a The New Yorker no prédio em frente, a atriz Tallulah Bankhead, musa do cinema e teatro, e F.P. Adams, mais famoso jornalista da época, ela também frequentava o speakeasy (bar clandestino) de Tony Soma, onde virava vários highballs (uísque e club soda) com seu melhor amigo, o humorista Robert Benchley.

Foi com ele que montou um escritório, depois de ter passado pela Vogue, Vanity Fair, New Yorker e outros veículos. Continuou escrevendo e publicando poemas cômicos, contos e críticas teatrais com enorme sucesso. Dizia que o escritório era tão pequeno, "que se diminuísse, configuraria adultério".

Com o tempo passou a gostar também de outras atrações do balcão. Seu verso mais famoso e nunca escrito diz: "Adoro um dry martini/dois deles me bastam/com três já estou debaixo da mesa/com quatro, sob o dono da casa".

Sua vida era uma festa constante. Precisava de pouco para morar: "Só um lugar para pôr meu chapéu. E meus amigos". Era sempre convidada para os nababescos saraus descritos por seu amigo Fitzgerald em "Grande Gatsby". Teve muitos amantes. Dizia preferir homens "muito bonitos, sem coração e estúpidos". Alguns de fato o foram. Tentou o suicídio algumas vezes.

Internada num sanatório, avisou ao médico responsável: "Terei de sair de vez em quando para tomar uns coquetéis, tudo bem?". Ele retrucou, aflito: "Mas Mrs. Parker, se beber mais, terá só um mês de vida". "Promessas, promessas...", foi a resposta. Dá para imaginar seus olhos escuros e expressivos, tristes, mas com uma teimosa faísca de sarcasmo.

O drinque algonquin, do Frank Bar
O drinque algonquin, do Frank Bar - Leo Feltran/Divulgação

ALGONQUIN

Ingredientes

  • 45 ml de uísque de centeio (rye) ou bourbon
  • 20 ml de vermute branco
  • 20 ml de suco fresco de abacaxi
  • 2 espirradas de bitter Peychaud ou Angostura

Passo a passo
Bata todos os ingredientes com gelo numa coqueteleira e coe para uma taça coupe previamente gelada. Enfeite com um pedaço de abacaxi e uma cereja marrasquino.

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